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O freguês tem sempre razão

O freguês tem sempre razão

Este mantra que o Manuel Lebrão repetiacomo uma prece para o seu pessoal (*), bem poderia ser o sobrenome dessa singular Confeitaria Colombo, que completou 125 anos neste setembro. Porque além de um bordão, traduz um sentido de atendimento ao público, um marketing de relacionamento (quando ninguém no Brasil tinha pensado nesse conceito) que, junto com os doces e salgadinhos, o luxuoso mobiliário art-déco e o menu à la carte, constituem, até hoje,  vetores do encantamento — para turistas e cariocas — que a Colombo simboliza para os que a frequentam.

A Confeitaria Colombo foi fundada numa segunda-feira, 17/09/1894, por dois imigrantes portugueses: Joaquim Borges de Meirelles e Manuel José Lebrão, (***) sobretudo ele, um rapazote sonhador mas dotado de um sentido “de missão”: ser sócio e gerente de um estabelecimento espetacular, que fizesse a diferença.  

Acertou no milhar! O Rio de Janeiro desta última década dos 1800, precisava se curar da ressaca do fim do império (os últimos tristes anos do Segundo Reinado foram marcado pela Questão Militar, pela Questão Religiosa e pelas lutas abolicionistas) e resgatar a “joie de vivre”, que era o estereótipo do consumo nas cidades-luzes (Paris), com a movimentação da alta burguesia nas ruas, a presença das mulheres, o sorvete, as confeitarias, o cigarro, o vinho do Porto e o papo inteligente. Ah, sim: e era importante ser chique.

O Lebrão sentiu o sopro do bom vento e içou as velas. Mas como em todos os casos de sucesso, a audácia, a pertinácia e a intuição precisavam da sorte (e precisarão sempre)para turbinaremo êxito do empreendimento. E assim cresceu a Colombo.

Sorte, porque o Lebrão encontrou uma cidade deslumbrada pela circulação de dinheiro. Desde 1845, a Bolsa de Valores já seduzia os “barões do café” que cansados de guardá-lo nas suas fazendas (daí o Ministério da Fazenda), decidiram financiar a abertura de bancos naquele quadrilátero aonde pulsava o bolso, a verve (mídia) e o erotismo da cidade: ruas Gonçalves Dias, Ouvidor, Sete de Setembro … e, logo a seguir, a Av. Central, hoje Rio Branco.

Por conta disso, o “brado” O Rio Civiliza-se podia ser demonstrado pelo afrancesamento da cidade. A elite carioca tinha se matriculado na vibeda Belle Époque: flanar pelas ruas, fruir o rosto parisiense dos espaços públicos, apreciar o Art Nouveau das novas construções, frequentar cafés e confeitarias. E divertir-se.  Falava-se francês (“enchanté, merci”),  bebia-se “o champagne”, lia-se Balzac. As famílias ricas iam a Paris uma vez por ano “atualizar-se” do que estava na moda e do que era o dernier cri no vestir, nos hábitos sociais, nas leituras (e óperas) e no vocabulário social.

E a Colombo, então, passou a ser “o point” elegante e certeiro para essa classe média alta (por patrimônio ou talento) ver e ser vista.  Olavo Bilac, Bastos Tigre, Emílio de Menezes, Villa-Lobos, Graça Aranha, Francisco Leite, Machado de Assis e Ruy Barbosa eram habitués. Ali se bebia cerveja preta ou licores, ou conhaque, ou chá, se discutia, se criavam reclames (veja o ilustre passageiro o belo tipo faceiro que viaja ao seu lado; no entanto, acredite: quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rum Creosotado”, Bastos Tigre). Emílio de Menezes, curitibano e rápido nos epitáfios, escreveu num guardanapo sobre um conhecido político larápio: “quando ele se achou sozinho, da cova na escuridão, surrupiou de mansinho os dourados do caixão”…

Além deles, atraídos pelo “impulso centrípeto” (Freud!), uma legião de advogados, médicos, boêmios cultos, escritores e poetas, muitos dos quais já frequentavam as confeitarias anteriores, sobretudo a Paschoal (1850) e a Cavé (1860) marcavam encontro no novo palco da Cidade. Pudera! A geografia ajudava: os principais jornais da época, o Jornal do Comércio, O Paiz e o Diário de Notícia, eram vizinhos na Rua do Ouvidor. E, logo a seguir, o Jornal do Brasil, fundado em 1891, se instalou na própria Gonçalves Dias! Aos quais se somaram as revistas: o Malho, a Careta e Fon-Fon. E a menos de 2km dali, a Academia Brasileira de Letras, na Presidente Wilson. Vários polos emissores de clientes!

Não havia tempo a perder. O Lebrão mandou buscar em Antuérpia, na Bélgica, espelhos de cristal com molduras de jacarandá maciço, medindo 3,4m por 4m, e pesando cerca de 1500kgs cada!

Mesas redondas (inédito) de mármore italiano, móveis esculpidos por artesãos, tudo para criar um interior esplendoroso. Comprou uma fábrica de marmelada. Importou vinhos e licores. Foi pioneiro no delivery (**). E… a partir de uma viagem sua à Paris aonde frequentava diariamente (como espião!) o Café de La Paix e sentindo que deveria se abrir para todos os públicos, instaurou o “Five o’clock tea”.

Era a senha. Porque a partir dessa hora, começava a aparecer outra clientela — as madames e os seus coronéis — que ocupavam as mesinhas de mármore à espera de outras emoções. Data daí o início da paquera (“o velho, na porta da Colombo, é um assombro…) com a marchinha Sassaricando, de Luiz Antonio, Zé Mário e Oldemar Magalhães, sucesso do Carnaval de 52, sensualmente interpretada pela Virgínia Lane. Dizem que a letra contemplava também “os prazeres solitários” (quem não tem seu sassarico, sassarica mesmo só…)

E agora pasmem: a Colombo foi, também a primeira microempresa a antecipar os benefício trabalhistas: começou a dar férias coletivas e férias remuneradas. E ainda em 1897 distribuiu 20% do lucro anual com os seus empregados (cerca de 400).

Mais tarde, nos anos 20 e em diante, a Colombo foi frequentada por todos os presidentes da República, com destaque para Getúlio, Café Filho, Juscelino e recebeu, inclusive, num banquete a Mamie Eisenhower, esposa do presidente americano que nos visitou em 1960.

Manuel José Lebrão nasceu em Vila Nova de Cerveira, no alto Minho, em 1868. Veio para o Rio menino, numa terceira classe, em 1881, com 13 anos, portanto. Mas como os imigrantes da sua geração, como uma capacidade de trabalhar de Remador de Bem-Hur, como diria o Nelson Rodrigues). Estagiou 3 anos na Confeitaria Carioca e, junto com o sócio, partiu para essa aventura que até hoje se confunde com o melhor do Rio de Janeiro. E a Colombo continua “um assombro”, com turistas estrangeiros e de outros estados brasileiros, chique de novo, bem frequentada e bem servida, oferecendo um ambiente de familiar tradição no cenário do entretenimento carioca do centro (tão necessitado).

Lebrão morreu com 65 anos, em 1933. Bem haja, mestre!

(*) por conta do “freguês tem sempre razão”, conta-se o seguinte o caso pitoresco: certa tarde de um senhor (?) se aproximou do balcão, consumiu dois camarões empanados mas insistia que só tinha comido um. Chamado a decidir, o velho Lebrão sentenciou para o caixa: ”cobra aí um camarão … com duas cabeças”.

(**) Ruy Barbosa era assíduo frequentador do almoço na Colombo. Mas dormia muito cedo (tipo 8h da noite). E a esposa, Maria Augusta, adorava receber e servir doces e salgadinhos, regados a cerveja preta portuguesa e licores, ao som de piano e declamações no belo solar de Botafogo, até me tarde. Resultado: um dia o Conselheiro pediu ao Lebrão para fazer a entrega: e nunca mais parou!

(***) No fim dos anos 90, a Colombo foi vendida para a Arisco, que a comprou porque possuía uma goiabada chamada Colombo. Mas não era o seu negócio e a Colombo entrou em franca decadência. Até que em 2002 o empresário Maurício Assis, com familiares e sócios, comprou a casa e a marca e a recolocou no pedestal de prestígio e frequência que merece. Após a morte do Maurício assumiu o comando o seu irmão, Roberto Assis.

Reinaldo Leite Paes Barreto
Vice-presidente do CE de Assuntos Culturais da ACRJ