Por Renata Barbieri Coutinho(*)
Devido a uma certa confusão de entendimento, as empresas familiares podem ser percebidas apenas como um pequeno ou médio negócio não profissionalizado, o que não necessariamente é verdade. Quando consideramos a definição como companhias com controle pertencente a pelo menos uma família empresária, estamos falando da grande maioria das organizações no Brasil e no mundo. E, de acordo com a lista das maiores empresas pelo índice Global 500 da Brand Finance 2019, encontramos exemplos como a Samsung, BMW, Tata Group, Walmart, Itaú, Danone e Lego[1].
As empresas familiares tendem também a ter uma melhor performance no longo prazo. Há diversos estudos que confirmam o desempenho superior, além de uma maior resiliência em períodos de crise, como a que vivemos recentemente na pandemia.[2]
Muitos se surpreendem ao saber que as empresas mais antigas do mundo são familiares. São companhias milenares que incrivelmente permanecem nas mãos da mesma família desde sua fundação até os dias de hoje. Alguns exemplos são museus, vinícolas, produtoras de azeite e hotéis no Japão e na Europa.[3]
É extremamente difícil fazer com que negócios, familiares ou não, durem muito tempo. No caso do Brasil há poucas empresas centenárias. Mesmo considerando a composição do Ibovespa nos anos 70 comparado à composição atual, são poucas as empresas (somente o Itaú e mais 3 outras) que permanecem no índice, muitas simplesmente deixaram de existir.
Ao invés de olhar para a sobrevivência das empresas em si, o professor do MIT John Davis liderou um estudo interessante. O foco foi na trajetória de patrimônio das famílias empresárias ao longo do tempo, considerando todos seus bens, inclusive os investimentos diretos em empresas[4].
Assim como no famoso ditado “Pai rico, filho nobre e neto pobre”, apenas 15% das famílias empresárias conseguiram sobreviver como grupo empresarial e entrar numa trajetória de crescimento de patrimônio a partir da 3ª geração. O principal motivo da longevidade foi o desenvolvimento de forma equilibrada de 3 pilares:
Crescimento do patrimônio da família como um todo vis a vis seus gastos,
União dos familiares como grupo de sócios/acionistas num propósito maior,
Desenvolvimento de Talentos familiares (principalmente como sócio/acionista) e membros não familiares (profissionais atuantes nos negócios de fora da família).
Os negócios familiares de sucesso, possivelmente através de gestão e governança, conseguiram desenvolver e equilibrar esses 3 pilares ao longo do tempo. De acordo com a pesquisa, a tríade se retroalimenta positivamente. Por outro lado, a falta de um ou dois pilares por muito tempo acaba levando os negócios a caírem na `regra´ das 3 gerações.
A grande dificuldade das famílias empresárias é compreender que o mais importante é formar bons sócios, não necessariamente bons gestores. A gestão do negócio, ao contrário das responsabilidades associadas a propriedade, pode ser mais facilmente delegada a outros profissionais. No Rio de Janeiro temos o exemplo da Mills já na 3ª geração que não possui qualquer membro da família controladora em cargo executivo, mas os acionistas familiares participam ativamente de cargos de governança no sistema familiar (modelo dos 3 círculos, família, empresa e propriedade).
O essencial é que os herdeiros como grupo estejam unidos num propósito comum e tenham preparo e capacidade de tomar decisões em conjunto. A Apsa, outra empresa carioca, além de profissionais familiares na gestão, vem investindo nos últimos anos fortemente em governança no sistema familiar. Esse processo tem facilitado a transição do comando da 2ª geração para 3ª geração. A 4ª geração embora ainda muito jovem já está sendo preparada como futuro grupo de sócios.
Ao olharmos para o atual ambiente VUCA ou BANI, com o ciclo de vida dos negócios cada vez mais curto, há possivelmente menos tempo para ajustar os desequilíbrios no sistema familiar. Por outro lado, o desenvolvimento dos 3 pilares citados exige um certo esforço de tempo, planejamento e amadurecimento dos membros familiares. A importância da família se alinhar como grupo de sócios e se preparar para tomar decisões complexas pode fazer muita diferença num futuro cada vez mais próximo.
As empresas familiares milenares provavelmente adequaram sua governança e gestão de maneira a garantir sua sobrevivência, mas quantas deixaram de existir? Hoje sabemos que com estruturas de governança apropriadas para os desafios de cada negócio e cada família as chances de entrar na trajetória de longevidade aumentam muito. O esforço hoje tende a tornar a vida no futuro bem mais fácil, não só para a família empresária, mas para todos os stakeholders envolvidos e a sociedade.
(*) Renata Barbieri Coutinho – Empresária, professora do IAG/ PUC/RJ, membro do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da ACRJ e consultora associada da Cambridge Family Enterprise Group
[1] https://brandirectory.com/rankings/global-500-2019/
[2] https://www.credit-suisse.com/corporate/en/articles/news-and-expertise/the-family-business-premium-201809.html
[3] https://www.worldatlas.com/articles/the-oldest-companies-still-operating-today.html
[4] Davis, J and Cambridge Family Enterprise Group (2018)