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Mercado Financeiro brasileiro e a Responsabilidade Social e Ambiental

Mercado Financeiro brasileiro e a Responsabilidade Social e Ambiental

Por Humberto Mota Filho (*)

O mercado financeiro brasileiro é disciplinado por leis e regulamentações federais e fiscalizado pelo Banco Central do Brasil (“BCB”), no âmbito de um sistema financeiro nacional. A responsabilidade social e ambiental das instituições financeiras não escapa desse padrão.

 Vale sempre recordar que as instituições componentes do mercado financeiro desempenham atividades de coleta, intermediação e aplicação de recursos próprios ou de terceiros. Políticas corporativas das instituições financeiras podem favorecer a governança dos investimentos sustentáveis sempre que seus administradores incorporem em suas regras os princípios básicos da governança corporativa e forneçam aos seus proprietários, ao mercado e às partes interessadas a prestação de contas dos seus atos e dos resultados das suas atividades, comunicando a capacidade das suas empresas em gerar valor no presente e no futuro.

Pesquisas indicam que o papel dos bancos como indutores do desenvolvimento sustentável ocorreria por meio da adoção de uma política de Responsabilidade Social e Ambiental (RSA) e da inserção dos aspectos sociais e ambientais em seus negócios, em especial nas operações de crédito e nos investimentos. Assim, a adoção de uma política de RSA pelos bancos teria um efeito multiplicador das ações indutoras da agenda ASG (Ambiental, Social e Governança), ao favorecer a consolidação desses temas junto aos seus parceiros financeiros. E, vale lembrar que o mercado bancário brasileiro ainda é o grande fornecedor de recursos para a economia nacional, a despeito do grande crescimento do mercado de capitais.

No âmbito internacional, destaca-se como exemplo desse debate os Princípios do Equador (2009), um conjunto de critérios socioambientais de adoção voluntária por instituições financeiras, referenciados nos Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental da International Finance Corporation (IFC) e nas Diretrizes de Meio Ambiente, Saúde e Segurança do Grupo Banco Mundial e aplicáveis na análise de produtos financeiros. Esses princípios reconhecem que os bancos são potenciais promotores das operações que envolvem risco poluidor e, assim, devem comunicar seu compromisso ético com investimentos responsáveis diretamente ao mercado e à sociedade.

No Brasil, os bancos são obrigados a elaborar um relatório anual, demonstrando como está sendo considerado o risco decorrente da exposição a danos socioambientais gerados pelas atividades da instituição. Em termos mais gerais, as instituições financeiras e as demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB devem estabelecer e implementar uma Política de Responsabilidade Social e Ambiental, segundo as diretrizes dadas por este órgão regulador do mercado financeiro. 

            Todas as instituições sujeitas a política de RSA devem manter estrutura de governança capaz de implementar e monitorar as ações nela estabelecidas, avaliar a efetividade dessas ações e suas eventuais deficiências e verificar a adequação do gerenciamento do risco socioambiental estabelecido. Entretanto, a regulação da política de RSA não cuida do detalhamento dos meios e modos de sua divulgação, o que pode ocasionar níveis e formas distintas de disclosure entre os maiores bancos atuantes no país, prejudicando a comparação e o estudo do avanço da agenda ASG no mercado financeiro brasileiro. Aqui também seria apropriado cogitar-se de métricas auditáveis e comparáveis, segundo critérios amplamente aceitos, uma língua franca da sustentabilidade bancária. 

            Além da regulação do BCB sobre RSA especificamente, a legislação federal brasileira pode levar a interpretação de que financiadores seriam corresponsáveis pelos danos ambientais que venham a ser causados por atividades apoiadas por eles. Mesmo sem uma previsão normativa expressa sobre o papel dos bancos no que se refere à responsabilidade civil, alguns defendem que as instituições financeiras podem ser enquadradas na figura do poluidor indireto. Somente essa possibilidade já justificaria o desenvolvimento de uma política de RSA, ainda que ela não fosse obrigatória para tais instituições.

            Indo mais além, nunca é demais rememorar que os investidores institucionais (entidades de previdência complementar e seguradoras) possuem deveres fiduciários perante os participantes de planos de previdência e os clientes segurados, no sentido de investir os seus ativos de forma a garantir o pagamento dos benefícios dos planos respectivos e a cobertura contratada dos eventuais sinistros, no caso dos seguros. Nesse exemplo, caso a gestão de tais ativos investidos não observe os fatores de riscos socioambientais relevantes, os investidores terão falhado no cumprimento de seus deveres fiduciários, ensejando sua demanda pelos prejuízos financeiros incorridos.      

            Nessa mesma linha, as gestoras de ativos financeiros (asset managers), ao assumirem obrigações contratuais perante os investidores institucionais, também respondem pela falta de diligência no gerenciamento dos riscos socioambientais que possam afetar a rentabilidade dos ativos. E, por sua vez, os investidores institucionais respondem perante os investidores comuns, os participantes dos planos de previdência ou seguradoras pelos atos de gestão dos potenciais riscos socioambientais dos ativos financeiros aplicados, segundo as normas do Conselho Monetário Nacional destinada tanto aos bancos.   

            Pelo visto aqui, a implementação, monitoramento e avaliação da Responsabilidade Social e Ambiental no mercado financeiro brasileiro importa num alto grau de governança, sob pena da responsabilização das instituições financeiras e seus administradores, por falha no cumprimento de deveres de prevenção, diligência e vigilância. Portanto, nesse mercado, o emprego efetivo dos princípios de governança corporativa deve ser feito segundo a ética da accountability e em conjunto com as diretrizes dos princípios do investidor responsável. 

(*) Presidente do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da Associação Comercial do Rio de Janeiro