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A Covid-19 e as implicações na relação entre empregado e empregador

A Covid-19 e as implicações na relação entre empregado e empregador

Por Ellen Sucasas (*)

O Brasil atravessa o “maior colapso sanitário e hospitalar”[1] da sua história, com impactos diretos não apenas na saúde e na economia, mas também nas relações interpessoais e nos padrões de comportamento. A manutenção dos novos hábitos de higiene é determinante para minimizar o aparecimento de novas infecções e permitir a normalização das atividades econômicas com maior brevidade.

Com o intuito de viabilizar a retomada de suas atividades, é notável o esforço dos empresários em adotar e dar visibilidade às medidas de proteção, promovendo segurança sanitária e transmitindo confiança e cuidado com seus clientes e funcionários.

Apesar do esforço em propiciar a devida proteção aos seus colaboradores, vem crescendo o número de decisões judiciais relacionando o contágio pela doença à atividade profissional. De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), no período de janeiro a maio de 2020, foram distribuídas nas Varas do Trabalho e nos Tribunais Regionais do Trabalho, de todo o Brasil, mais de 8,6 mil ações relacionadas à COVID-19. [2] Até o mês de março deste ano, o número chegou a quase 24 mil. [3]

Um intenso debate surgiu após a publicação da Medida Provisória nº. 927, de 22 de março de 2020[4], a qual previa, em seu art. 29, que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Em abril de 2020, a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de julgamento de sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra a referida Medida Provisória, dois dispositivos (art. 29 e art. 31) tiveram sua eficácia suspensa em caráter liminar.[5] A decisão resultou no fortalecimento da atuação essencial dos auditores fiscais do trabalho, para que pudessem realizar as fiscalizações necessárias, com possibilidade de aplicação de multa, mesmo durante a pandemia, no intuito de verificar, inclusive de forma preventiva, se os empregadores estão tomando os cuidados cabíveis para a proteção de seus empregados e para a prevenção contra a COVID-19.

Após suspender as atividades produtivas de uma filial da JBS em junho de 2020, a Vara do Trabalho de Ji-Paraná (RO), do Tribunal do Trabalho da 14ª Região, em março de 2021, condenou a empresa a pagar 20 milhões de reais em indenização por danos morais coletivos, após um surto de COVID-19, na unidade de São Miguel do Guaporé/RO. [6]

Em fevereiro de 2021, pela 9ª Turma do Tribunal do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), foi julgado um recurso ordinário que manteve na íntegra a sentença do juiz Willian Alessandro Rocha, da 1ª Vara do Trabalho de Poá/SP, em sede de Ação Civil Pública, movida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares de São Paulo (SINTECT-SP) contra os Correios. O magistrado reconheceu a natureza ocupacional do contágio da COVID-19, uma vez que a empregadora não adotou medidas para reduzir os riscos de contágio, e determinou que a empresa realizasse testes para detecção da COVID-19 em todos os empregados na unidade, além de determinar a adoção de ações de prevenção.[7]

Na Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, a Coordenação-Geral de Benefícios de Risco e Reabilitação Profissional, ligada à Subsecretaria do Regime Geral de Previdência Social, concluiu que: “Ante o exposto, resta evidenciado que “à luz das disposições da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a depender do contexto fático, a COVID-19 pode ser reconhecida como doença ocupacional, aplicando-se na espécie o disposto no § 2º do mesmo artigo 20, quando a doença resultar das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionar diretamente; podendo se constituir ainda num acidente de trabalho por doença equiparada, na hipótese em que a doença seja proveniente de contaminação acidental do empregado pelo vírus SARS-CoV-2 no exercício de sua atividade (artigo 21,inciso III, Lei nº 8.213, de 1991); em qualquer dessas hipóteses, entretanto, será a Perícia Médica Federal que deverá caracterizar tecnicamente a identificação do nexo causal entre o trabalho e o agravo, não militando em favor do empregado, a princípio, presunção legal de que a contaminação constitua-se em doença ocupacional.”.

Assim, as decisões judiciais têm reconhecido a contaminação de empregados por COVID-19 no exercício das atividades laborais, isto é, admitindo a ocorrência do nexo de causalidade entre a transmissão do coronavírus e o desempenho das funções laborativas.

Com a urgência imposta pela pandemia, muitas entidades adotaram soluções “milagrosas”, medidas sem efetividade e até a utilização de produtos e equipamentos não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o que agrava o risco de contágio entre as pessoas e aumenta a exposição das empresas, resultando em mais processos trabalhistas.

Portanto, diante do risco iminente da imputação de responsabilidade, o que as empresas podem fazer para proteger seus empregados e ao mesmo tempo se resguardar de eventuais ações trabalhistas? Abaixo seguem algumas medidas importantes:

  • Estabelecer um protocolo técnico eficiente com medidas de proteção contra à COVID-19;
  • Elaborar manuais e procedimentos operacionais padrão elucidando de forma clara todas as medidas a serem adotadas;
  • Capacitar seus empregados quanto às medidas de proteção;
  • Adotar uma gestão pautada pelo Compliance de forma a se adequar à legislação vigente;
  • Implementar sinalizações visuais eficazes para a orientação de todos;
  • Fornecer os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para uso nas atividades laborais;
  • Fiscalizar e notificar os colaboradores que não estiverem cumprindo as medidas estabelecidas;
  • Implementar todas as medidas de prevenção contra riscos higiênico-sanitários, não só para a COVID-19.

Todas as medidas citadas devem ser elaboradas por uma equipe técnica capacitada e precisam ser formalizadas para comprovações futuras. Ao privilegiar a adoção de protocolos sanitários eficientes para proteger seus empregados, a empresa fortalece a sua imagem institucional, zela pela manutenção dos postos de trabalho e contribui para a retomada da economia do país.


[1] https://agencia.fiocruz.br/observatorio-covid-19-aponta-maior-colapso-sanitario-e-hospitalar-da-historia-do-brasil

[2] https://www.tst.jus.br/-/tst-atualiza-n%C3%BAmero-de-a%C3%A7%C3%B5es-relacionadas-ao-coronav%C3%ADrus-na-justi%C3%A7a-do-trabalho-em-todo-o-brasil

[3] https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2021/04/15/numero-de-acoes-trabalhistas-envolvendo-a-covid-19-chega-a-24-mil.ghtml

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Congresso/adc-92-mpv927.htm

[5] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442355&ori=1

[6] https://portal.trt14.jus.br/portal/noticias/coronavirus-2a-vara-do-trabalho-de-ji-parana-confirma-suspensao-das-atividades-da-jbs-sa

[7] https://ww2.trt2.jus.br/noticias//noticias/noticia/news/justica-do-trabalho-de-sao-paulo-reconhece-covid-19-como-doenca-ocupacional-em-trabalhadores-dos-cor/?tx_news_pi1%5Bcontroller%5D=News&tx_news_pi1%5Baction%5D=detail&cHash=391d604e4e914665749c77163f6b770a

(*) Advogada, membro do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da ACRJ e da Comissão de Estudos da Transparência Pública da OAB/RJ e especialista em Direito Público