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Visconde de Mauá

Visconde de Mauá

Irineu Evangelista de Sousa nasceu em 1814 no atual estado do Rio Grande do Sul. Sua mãe era de uma família bem estabelecida e culta, tendo sido ela quem ensinou as primeiras letras ao filho. Devia ser muito boa nisso, pois foi este o período em que Irineu teve maior orientação em seus estudos. Foi praticamente um autodidata em tudo mais que aprendeu pelo resto da vida. Seu pai era um simples comerciante de gado.

O gado, para fabricação do charque (charque é uma carne salgada e seca ao sol com o objetivo de mantê-la própria ao consumo por mais tempo), era o produto de maior importância da região dos pampas. Quando Irineu mal completara 5 anos, seu pai foi assassinado no Uruguai. A história consagra uma versão de que o crime se deu “por engano”. Há, porém, outra versão que conta que o assassino era um ladrão de gado. Nas frequentes tropelias pelo vasto pampa, onde brasileiros e uruguaios viviam comercializando, guerreando ou roubando gado uns dos outros, esta morte ficou mal explicada. Talvez por isso, a fixação de Irineu, pelo resto da vida, em ter um nome limpo. Isto o levou a um extremo rigor em suas práticas comerciais. Muitas vezes tomou para si responsabilidades financeiras além das que lhe competiam. Tinha por intuito evitar de qualquer maneira causar prejuízos para terceiros. Nunca pediu a falência de ninguém.

Às vezes, um ou outro comentário maldoso sobre o pai, ao ser captado pelos sensíveis ouvidos de uma criança, deixa marcas profundas. O que sabemos é que Irineu era obsessivo tanto no trabalho como na defesa de sua reputação, preocupado em legar a seus filhos um nome ilibado. 

Órfão, suas companhias eram a irmã Guilhermina, um pouco mais velha, e a mãe, sempre presentes. Aos 9 anos, porém, sofre outro choque. Um pretendente que queria desposar sua mãe deixa claro que só o faria se não tivesse que “criar filhos de outro”. A mãe providencia rapidamente um casamento para Guilhermina, de apenas 12 anos de idade, e coloca o menino Irineu sob a guarda de um tio, piloto de um navio a serviço da Casa Pereira de Almeida, grande atacadista no Rio de Janeiro. 

Deveria certamente ser muito sem perspectivas a vida de uma viúva solitária na sociedade machista do século XIX. Aceitar tal afastamento dos próprios filhos é algo que nos surpreende. Naturalmente, a separação da família pesou em Irineu e influenciou o seu comportamento ao longo de sua vida. 

A convivência até 9 anos de idade em uma casa sem a figura masculina do pai não só o estimulou a perseguir conhecimentos de leitura, escrita e contas, mas, sem dúvida, fez com que o menino captasse também a visão pragmática da vida que a mãe possuía. Certamente, as condições nas quais vivia o faziam sentir como o homem da casa. O afastamento marcou, além do precoce rito de passagem para homem, o desejo de recompor sua família quando possível. 

Graças às boas relações do tio, irmão da mãe, que o trouxe para o Rio, foi empregado na importante casa comercial do português Antonio Pereira de Almeida, emprego na época estrito a aprendizes naturais de Portugal. 

Desde o início, o jovem se distinguiu pela dedicação ao estudo e ao aprendizado com os mais experientes. Dormia sobre os balcões do armazém. Da pequena poupança que conseguia fazer, comprava livros para estudar e enviava todo mês uma pequena quantia para a mãe. 

Aos treze anos já é o principal empregado da casa, tendo aproximado seu empregador dos parentes que produziam charque no Rio Grande, o que gerou bons resultados. Os negócios do patrão português, porém, não sobreviveram ao fim da economia mercantilista e às crescentes restrições ao tráfico promovidas pela Inglaterra, que, na época, estava focada em garantir mercados para sua indústria nascente e queria dominar o comércio de ambos os lados do Atlântico Sul. 

Quando seu patrão foi forçado a liquidar os negócios, Irineu, com apenas 14 anos, já era seu principal assessor. Ele orientou o ex-chefe a melhor vender seus ativos comerciais preservando fazendas em Minas para as ele se retirou. Tempos depois, o Imperador conferiu a Pereira de Almeida o título de Barão de Ubá. 

Naqueles anos que se sucederam à proclamação da Independência, sob o reinado de Pedro I, o país vivia um conturbado período de rivalidade política entre portugueses (predominantes no comércio) e brasileiros. 

O patrão ao vender a sua casa comercial a um negociante escocês – Richard Carruthers – recomendou, “como uma joia”, Irineu, o seu melhor empregado. A ida para a Casa Carruthers – comercial e financeira (pois esta fornecia crédito para as empresas e pessoas com quem comercializava) vai representar uma nova revolução na vida de Irineu. 

Em Carruthers ele encontrou sua maior referência profissional e, afetivamente, o pai que não teve. Aprendeu inglês, contabilidade e teve acesso a livros de economia, na época onde se respirava um ar liberal trazido pela abertura dos portos, pelos pequenos manuais para o comércio escritos por José da Silva Lisboa, conhecido como Visconde de Cairu, e pelos conceitos de Adam Smith. 

Havia na época a proteção alfandegária aos comerciantes ingleses e os negócios de Carruthers dispararam de valor. Sua casa comercial na rua Direita (hoje Primeiro de Março) tornou-se uma das maiores e das mais respeitadas do Rio. Irineu aprendeu que, além de negociar, ter um olho nas regras do jogo definidas pelo governo é essencial para antecipar seus movimentos comerciais. Uma das suas inovações foi acompanhar os negócios fazendo a dupla contabilidade, em libras e em contos de réis. No futuro, vai acrescentar também a contabilidade indexada no ouro. 

Em 1839, Carruthers regressou para sua terra de origem e deixou aqui Irineu na qualidade de sócio minoritário, em vez de pura e simplesmente vender a empresa, o que seria o usual. O jovem Irineu, administrando os prósperos negócios, adquire uma boa chácara em Santa Teresa. Ele já havia conseguido fazer com que sua mãe (viúva novamente) viesse do Sul para viver com ele, reunindo novamente a família. Com a mãe veio a neta, Maria Joaquina, ainda no colégio. Todos os dias levava sua sobrinha à escola. Vendo-a na mesma idade em que se separara da irmã, ele volta a sentir aquelas distantes sensações da criança que ele fora até sair do Rio Grande. E começou a redescobrir o que é uma vida familiar, ele que fora dela arrancado tão cedo. 

Os negócios decolaram. A frequente correspondência entre Irineu e Carruthers supriu Irineu de conselhos e lhe deu uma visão do que se passava no mundo naquele século do esplendor da revolução industrial e da predominância mundial da Inglaterra. Esta, recuperada e de certa forma liberada de seus encargos com sua colônia norte-americana, transformou-se em um império comercial global. Lá se sucediam grandes invenções no campo fabril e da infraestrutura que mudaram a face do mundo. Irineu atravessou bem, do ponto de vista comercial, os anos da menoridade de Pedro II, apesar de todas as flutuações na economia que as inúmeras crises políticas provocaram. 

Quando Pedro II subiu ao trono, em 1841, sua vida estava financeiramente consolidada. Sua irmã, agora viúva, já se juntara à mãe e à filha e a união familiar, rompida pela distância, se restabeleceu, dando a Irineu – ao lado do orgulho profissional – a realização do sonho que desde a infância havia acalentado. 

Nessa ocasião Irineu fez sua primeira viagem à Inglaterra onde, por meio dos contatos de Carruthers, se relacionou com a elite de comerciantes e banqueiros. Ficou deslumbrado com as indústrias mecânicas e metalúrgicas que visita. Descobriu nas residências em que foi acolhido que a vida familiar era perfeitamente passível de ser harmonizada com o mundo de negócios. Carruthers, um misantropo, poderia ser modelo para o mundo comercial, mas não era para a vida de família. Daí em diante Irineu passou a ver a vida e os negócios de forma diferente. 

Quando voltou ao Brasil, tinha claro o que queria fazer. Casou-se com a sobrinha, com quem irá viver muito bem. O casal teve 18 filhos, muitos falecidos no parto ou tão pequenos que sequer conhecemos seus nomes. May, como ele tratava a mulher, foi uma esposa exemplar, boa mãe, boa companheira em todas as vicissitudes que a vida vai lhe proporcionar. E, quando necessário, independente, viajando sozinha para fazer companhia na Inglaterra à filha quando esta foi para lá estudar ou, mais tarde, passando temporadas com a moça, depois que ela se casou. 

Ele se mudou em 1845 para uma casa maior na Rua do Catete, de modo a poder frequentar mais amiúde a sociedade. Foi um pai amoroso que mimou os filhos. Era assinante de dezenas de revistas técnicas e de negócios que lia até altas horas para se manter ao corrente do que se passa no mundo. 

Poucos anos depois, colocou em prática uma total guinada nos negócios. Afastou-se das transações comerciais e tornou-se o que hoje denominaríamos um ‘banqueiro de investimentos’ e acionista controlador de um conglomerado de empresas. 

Este ponto é importante porque é comum vermos decantadas as virtudes de “Irineu, o industrial”, quando, na verdade, de seus 22 negócios principais apenas quatro foram indústrias – das quais duas ligadas à agropecuária. Ele foi eminentemente um banqueiro.

Seu primeiro grande negócio nesta nova fase, no entanto, foi de fato uma indústria. Ali ele incorporou muito do que aprendeu no Brasil e na Inglaterra. Ciente que a elevação das tarifas de importação instituída pelo Ministro da Fazenda Alves Branco, do novo ministério liberal de Pedro II, criaria a oportunidade de “substituir importações” e favorecer a produção no Brasil de várias máquinas e equipamentos até então vindos do estrangeiro, Irineu adquiriu pequenas oficinas em 1846 e construiu o estaleiro e as instalações fabris da Ponta da Areia. Teve a prudência de lançar o negócio apenas depois que obteve o contrato de fornecimento de tubos para o abastecimento de água no Rio de Janeiro. Importou técnicos da Inglaterra e operários especializados. Dividiu o capital do estaleiro com outros investidores. 

Da fabricação dos tubos em ferro fundido para a água no Rio se sucederam a fabricação de rebocadores para a companhia que criou com comerciantes no Porto do Rio Grande e navios para a empresa de navegação do Amazonas, que fundou a pedido do governo. Produziu também navios para a Marinha de Guerra do Brasil. Empregou sempre os melhores engenheiros, os ingleses, e valorizou o mérito de seus colaboradores, os quais fez participar do resultado dos negócios. 

Foram incontáveis as dificuldades de treinar operários nas especializações necessárias para esta produção diversificada. Em alguns casos, teve que treinar escravos face à recusa dos brasileiros em relação a este tipo de trabalho industrial, considerado indigno. 

O país teve um surto de progresso e melhoria das finanças, o que ensejou obras públicas. A principal receita do Tesouro era a renda da Alfândega, que, com as alíquotas de importação mais altas, subiu expressivamente. 

Montou em seguida com acionistas privados o Banco do Comércio e Indústria do Brasil, em 1851, que, anos depois, será estatizado como “Banco do Brasil”. 

Nesta época seu relacionamento com os políticos e com os ministros já era grande e seu modelo de negócios passou a ter como característica o empreendedorismo pelo lado da produção ou execução dos serviços, conjugado a criar um bom network com o governo. Amarrou sempre a destinação do que produziu com contratos de fornecimento para o governo, para empresas do seu grupo ou para consumidores atendidos em concessões do serviço público. 

A aproximação com o governo foi, desde então, fonte de lucros e prejuízos, mas sempre trazendo como “subproduto” defeitos muito humanos, especialmente comuns no Brasil: inveja e maledicência, como nossa sociedade costuma a brindar os bem-sucedidos. Irineu não conseguiu seguir a lição de Carruthers – “manter o governo à distância”. A escala de seus negócios, os apelos de ministros que passou a atender (mesmo com a opinião contrária de seus associados) fizeram com que seu envolvimento com os gestores do governo aumentasse continuamente. 

Neste clima, a assistência humanitária que ele havia prestado aos líderes da Revolução Farroupilha em 1843, alguns ligados a seus parentes gaúchos e que então estavam presos na fortaleza das Lages, voltou a ser explorada pelos áulicos interessados em torná-lo, para sempre, suspeito aos olhos do Imperador. Além de ganhar dinheiro – um pecado naquela sociedade atrasada – o fato de tê-lo gasto com inimigos do Imperador foi uma pecha da qual nunca se livrou. Apesar de ser monarquista e na ocasião das visitas aos presos ter publicado um artigo se eximindo de qualquer adesão política aos Farrapos, neste episódio acabou sendo mal falado por ambos os lados. 

A Companhia de Navegação do Amazonas foi um de seus bons investimentos desta época porque para ela recebeu o monopólio da navegação no rio e em seus afluentes. Para o governo, a companhia monopolista foi uma saída importante, pois o país estava envolvido em uma política dúbia: ao mesmo tempo em que, praticando o monopólio, fechava o Amazonas às pretensões estrangeiras, na mão oposta, defendia no sul do país a internacionalização da navegação no Rio da Prata (o que contribuirá para o início da Guerra do Paraguai). 

Irineu também venceu a licitação para a lucrativa concessão de iluminação pública a gás para o Rio de Janeiro. Tornou-se assim, em poucos anos, a maior expressão econômica do país, controlador das suas cinco maiores empresas privadas. 

Foi aclamado em 1846 para presidir a Associação Comercial do Rio de Janeiro, que iniciou uma nova fase da sua existência e teve anos gloriosos sob a sua presidência e de vários sócios seus até a longa gestão do Visconde de Tocantins, irmão do Duque de Caxias, que a presidiu de 1862 a 1884. Mauá e Caxias foram companheiros da maçonaria, uma das formas de se construir relacionamentos e participar da vida política naquela época. 

Muito próximo aos ministros do gabinete liberal – que deve ser entendido como federalista e internacionalista – além de ter atendido a muitos pequenos pedidos do governo, Irineu atendeu a um pedido insólito em 1850: com a condição de não mencionar que teria agido por solicitação do governo brasileiro (apelo do então poderoso amigo Ministro Paulino de Sousa), abriu uma casa bancária no Uruguai e aplicou uma discricionária política de crédito em benefício de uma das facções políticas locais. 

É importante lembrar que os bancos na época emitiam moeda ou títulos que eram negociados como se moeda fossem. Isto expandia o meio circulante. Este negócio bancário no Prata, em particular, e seus desdobramentos o envolverão praticamente até o fim da vida, ora ganhando ora perdendo, sempre com grandes créditos a receber do governo uruguaio. E sempre carente do apoio oficial brasileiro para receber seus créditos.

A partir de 1855, passou também a ser eleito e sucessivamente reeleito por quase 20 anos como deputado pelo Rio Grande do Sul, filiado ao Partido Liberal. Publicou frequentes artigos nos jornais onde defendia teses liberais, as suas empresas e, quando necessário, o seu bom nome. 

A frequência com que visitou o Uruguai e suas planuras que o remetem às da sua infância o fez adquirir grandes extensões de terra e acumular a enormidade de 250.000 cabeças de gado nos seus 250.000 hectares em torno da estância, em Mercedes. 

Em 1852 implantou a primeira ferrovia do Brasil, um trecho plano ligando um porto no interior da Baía de Guanabara – hoje chamado Mauá – à raiz da Serra da Estrela. Em Mauá se chegava por uma linha de pequenos barcos à vapor, também de sua propriedade, que partiam da Prainha, hoje a Praça Mauá, no Centro do Rio de Janeiro. 

Na cerimônia de início das obras da ferrovia, fez com que o ilustre convidado Imperador manuseasse uma pá (a verdade é que era feita de prata) e um carrinho de mão (de jacarandá, madeira nobilíssima). Fez também um belo discurso enaltecendo o trabalho como fonte do mérito e criação de riquezas. Tudo isso, porém, serviu de combustível para que seus detratores espalhassem maledicências no sentido de que a intenção de Mauá era diminuir o popular Imperador, o que aumentou a rejeição pessoal de muitos contra Irineu. 

O discurso apologético do valor do trabalho sobre o capital que fez no lançamento da pedra fundamental da ferrovia não deixa de ser interessante se a ele referenciarmos os versos da então já velha de dois séculos fábula de La Fontaine: “Travaillez prenez de la peine. C’est le fonds qui manque le moins” – que toda criança instruída recitava de cor no original em francês para celebrar a primazia do trabalho sobre o capital. 

Lembremos que este discurso de Mauá ocorreu quatro anos após 1848, o ano das revoluções sociais na Europa e do Manifesto do Partido Comunista, de autoria de Marx e Engels, obra certamente do conhecimento de Irineu e do Imperador. O Imperador, partidário da aristocracia das grandes propriedades rurais, conservador, pressionado por seus Ministros (que reconheciam a fundamental importância de Mauá para a concretização de qualquer projeto público de grande porte), neste dia concedeu a Irineu o título de “Barão de Mauá”. O povo, despeitado, invejoso e já impregnado pelas versões que manchavam o nome de Irineu, comentava: “certamente mal há!” 

Em verdade, o espírito do partido conservador era retrógado e fixado no imobilismo social, desprezando as novas formas de enriquecer. 

Vale citar o ponto de vista de célebres intelectuais ingleses, conforme destacado no livro “The Club – Johnson, Boswell And The Friends Who Shaped An Age”(Damrosch, Leo; Yale University Press), que trata dos encontros havidos entre uma confraria de personagens ilustres da vida cultural britânica cerca de sessenta anos antes do momento histórico de Mauá. Este livro destaca o seguinte: “Conservative Whigs, like Gibbon and Burke were convinced that power must be centered in a landed oligarchy. That was the class they thought, that has the greatest stake in the good of the nation, whereas merchant and speculators were enriching themselves at the nations expense”. Em tradução livre, quer dizer que Burke e Gibbons (renomados político e historiador, respectivamente) ambos adeptos do mais puro pensamento conservador, acreditavam que o poder deveria estar fundamentado em uma oligarquia proprietária de terras. Esta seria a classe social que, segundo estes pensadores, detém o maior interesse no bem da nação – enquanto a classe dos que vivem de comércio e especulações financeiras visavam somente enriquecer às custas da nação. 

Mauá, estando com frequência no Uruguai, acabou se envolvendo em negócios na vizinha Argentina. Lá, tornou-se o banqueiro pessoal de Urquiza, o todo poderoso da província de Entre Rios e, a um tempo, Presidente da República Argentina. Criou um Banco na Argentina com três filiais. 

Suas dificuldades políticas se agravaram a partir do momento em que os ministros brasileiros tomaram ciência de seus negócios na região do Prata. Este local era o palco de um conflito que opunha o Brasil e o governo da província de Buenos Aires. Onde o homem forte era Rosas, defensor de um estado unitário sob sua presidência e inimigo de Urquiza. Adicionalmente, no Uruguai, o banco de Mauá havia dado apoio financeiro ao Presidente Berro (do Partido Blanco), que veio a ser deposto e substituído pelo Presidente Venancio Flores (do Partido Colorado), este apoiado pelo governo brasileiro. Tal manobra foi desastrosa para os negócios locais de Mauá, pois impediu que ele recebesse os créditos referentes a emissões de títulos ordenadas pelo antigo presidente. 

Neste período abundaram suas idas e vindas à região. Na Argentina, também na visão do governo brasileiro, se alinhou do lado errado, pois lá se consolida o domínio de Bartolomeu Mitre com a predominância da província de Buenos Aires sobre as demais, enquanto Mauá – ainda que discretamente – preferia a formação de uma federação entre Uruguai, Entre Rios (de Urquiza) e Corrientes. Hoje estes personagens vivem na nomenclatura de ruas no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. 

Deste momento em diante, Mauá não se livrou de acusações de querer colocar o governo a seu serviço. O Brasil, esquecido da origem de tudo, se recusou a apoiá-lo em suas demandas aos novos governos da região, coisa que os Estados Unidos, a Inglaterra e a França sempre faziam em defesa do interesse de suas empresas. 

No Brasil ele havia sido solicitado a ajudar, apesar de não ter interesse econômico, no projeto estatal da ferrovia para São Paulo, a Estrada de Ferro Pedro II. Ele não deixou de notar que esta empresa estatal que ainda não começara as operações já contava com 11 diretores enquanto a sua própria, uma empresa operante, tinha apenas 2. De toda forma, ajudou o seu presidente, Cristiano Ottoni, em várias oportunidades. Com Cristiano e com os irmãos Rebouças, grandes engenheiros do império, teve sempre as melhores relações e facilitava o acesso a seus contratados, os engenheiros ingleses que invariavelmente trazia para seus projetos. Em uma decisão mal pensada, ele paga (a pedido de seus contatos ingleses), um reajuste solicitado pelo empreiteiro inglês da Estrada Pedro II. Esse pagamento, que se referia a “claims” ainda não aceitos pelo contratante brasileiro, a Estrada de Ferro Pedro II. Mauá adiantou o pagamento a pedido dos ingleses porque sabia que a recusa afetaria a credibilidade do país. Muitos anos depois, esgotadas as tratativas amistosas, a ação judicial que Mauá propôs para receber este substancial adiantamento mobilizou o governo contra o pagamento. A causa se arrastou por mais de uma década sem sucesso para Mauá. 

Promoveu a construção da ferrovia Santos-Jundiaí com muita dificuldade na relação com o governo. Esta só deslanchou quando acolheu um bem relacionado Barão como acionista principal, o que assegurou a garantia do Tesouro ao pagamento de dividendos mínimos por parte da empresa. A pedido de investidores ingleses, ainda se envolveu em uma problemática ferrovia do São Francisco a Recife. 

Cabe esclarecer que estes pedidos dos investidores ingleses mencionados nos parágrafos anteriores eram atendidos porque, na Europa, Mauá era considerado Brasil. Um eventual default do Brasil repercutiria em todos negócios de Mauá. E isso é o que ele procurava prevenir, embora desconfiado da veracidade das promessas de seus amigos no governo – que diziam que o Brasil honraria as dívidas. Mauá, diga-se de passagem, nunca criticou no exterior o seu país, cioso da dificuldade de se manter a reputação frente aos mercados. Quanto a isso nada mudou nos mercados financeiros: o risco país contamina o rating de suas empresas. 

Em 1861, ao receber as notícias do início da guerra de secessão nos Estados Unidos, previu que seria longa e cruenta e ofereceu aos sócios saírem da sociedade. Fez operações financeiras e cambiais arriscadas, mas condizentes com suas expectativas. Com isso, auferiu pessoalmente grandes lucros financeiros, que aportava em suas companhias que sofreram com a recessão dos negócios. 

No Sul, o Brasil enfrentou entre 1864 e 1870 a guerra do Paraguai. Houve sucesso na frente naval – a batalha do Riachuelo em particular – graças aos navios construídos na Ponta da Areia. Mauá foi, porém, excluído de qualquer suprimento lucrativo ao Exército, o que foi na ocasião o maior sorvedouro de recursos públicos. Nem por isso deixou de acudir necessidades de suprimento ao exército brasileiro a pedido se seu amigo o Duque de Caxias. 

Em 1870, ao final da guerra do Paraguai. A retomada dos negócios encontrou um país endividado. Uma nova classe política emergente, formada de militares e classe média, e uma maior pressão pela abolição da escravidão. Aos 56 anos de idade, estava esgotado, com problemas de saúde e suas empresas com enormes créditos a receber na Argentina, no Uruguai e da estatal Estrada de Ferro Pedro II. Além disso, absorveu sua quota de sacrifício na falência da Casa Bancária de Antônio de Sousa Ribeiro, envolta em longa disputa judicial, plena de chicanas e procedimentos protelatórios, já usuais desde aquela época em nossa justiça. 

Todo este tempo foi hostilizado pelo governo, pelo Congresso e pela imprensa. Tendo usado fundos próprios para pagar dívidas do Ponta da Areia e da Ferrovia Pedro II, estava com um permanente e dramático problema de liquidez. 

Ele havia também, apesar das resistências domésticas, adquirido o antigo palacete da Marquesa de Santos, tendo se tornado vizinho do Imperador. Construiu também uma bela casa em Petrópolis em frente ao Palácio de Cristal. A mãe e a “sogra-irmã” moram com ele e se implicam o dia inteiro. Com a inata esperteza matuta, ficaram temerosas da interpretação que o “desafeto e vizinho” (nada menos do que o Imperador D. Pedro II) poderia dar a esta iniciativa de Mauá se aproximar fisicamente de seus domínios. Irineu tinha que frequentemente acalmar as duas velhas ranzinzas. A esposa May o ajudava no que podia… 

Nestes anos e nos subsequentes, sempre batalhando em todas estas frentes, Mauá seguiu inovando. Em primeiro lugar, consolidou as participações nas diversas empresas que detinha em uma única empresa holding do conglomerado de suas participações o que lhe proporcionou musculatura financeira e patrimonial. 

Segundo, para reforçar o caixa do conglomerado, alienou participações extremamente lucrativas como a da iluminação a gás no Rio de Janeiro e a da Companhia de Navegação do Amazonas. 

Terceiro, promoveu investimentos em pesquisa de métodos de conservação da carne e aumento da eficiência nas enormes propriedades agrícolas que agora a empresa holding possuía. Obteve grande sucesso nesta área com sistemas de cozimento das carnes, viabilizando um maior tempo de conservação, ampliando o seu alcance comercial e com a pioneira utilização de tratores a vapor para arar o campo. 

Por fim, o quarto ponto foi recorrer frequentemente a negociações diretas das dívidas com credores e investidores para redefinir termos de operações anteriores, ou para ganhar mais prazo. Obtinha sucesso em tais negociações graças ao seu excelente conceito. 

Foi apologista de uma posição muito liberal no tocante ao meio circulante, advogando uma liberdade de emissão por bancos privados. Ele explorou esta tese em vários artigos publicados em jornais. Como sabemos, não vingou. 

Com filhos pequenos e adolescentes e ainda enfrentando um período de enfermidades recorrentes de sua esposa (que vão inclusive requerer sua internação na Suíça) encontrou ânimo para propor a criação de um grande banco internacional em sociedade com os maiores financistas de então – Lionel Rothschild e outros – e investidores de prestígio, como o ex-Primeiro Ministro inglês Gladstone. Visava com isso neutralizar bancos concorrentes estrangeiros que já haviam causado perturbações no mercado uruguaio e se instalavam então no Brasil. 

O projeto deste grande banco acaba não saindo do papel frente a pressões do Barão de Penedo sobre os sócios estrangeiros. Penedo, o embaixador brasileiro na Inglaterra, era intermediário remunerado por Rothschild nos empréstimos que este fazia ao Brasil. Penedo deixou claro para os possíveis sócios de Mauá o risco de não mais haver operações com suas casas matrizes caso persistissem em se associar a Mauá. Se o fazia em interesse próprio, a pedido de Pedro II ou do Brasil, nunca ficou claro. 

Surpreendentemente, neste período recebeu a concessão do cabo submarino Brasil-Inglaterra, porque, gostando ou não, o governo sabia que ele era o único capaz de levá-la a termo. Abriu mão de qualquer remuneração, mas, nem por isso, se livrou de ataques e acusações de favorecimento. Realizou o trabalho em prazo recorde. Na inauguração, em 1874, recebeu do Imperador, reconhecido, o título de Visconde (com grandeza) de Mauá. No evento, D. Pedro II trocou telegramas com o Papa e com a rainha Vitória. Desta vez foi do próprio Imperador (e não de seus ministros) a iniciativa da comenda. 

O peso de dívidas passadas assumidas em resposta a apelos governamentais se tornou insustentável e ele não conseguiu vender ativos na velocidade que produzisse fundos para quitá-las. Impossibilitado de honrar seus compromissos financeiros pela recusa do Banco do Brasil lhe emprestar 3.000 contos (sobejamente cobertos pelas garantias que oferecia, diga-se) teve que requerer concordata. Esta lhe foi deferida em 1875 para ser cumprida no prazo de 3 anos. 

Ao final deste período de 3 anos, honrou 61 mil contos de um total de 98 mil contos, ou seja, cerca de 60% do total do descasamento que havia gerado a concordata. Para dar uma ideia da escala, os 98 mil contos equivaliam a 94% das receitas anuais do governo brasileiro. 

Solicitou então prazo adicional para quitar o resto, o que não lhe foi deferido, tendo sido decretada a sua falência em 1878. Isto lhe causou extrema comoção. Todos os seus bens, inclusive roupas e alfaias domésticas, foram vendidos em leilão. Algumas peças foram adquiridas por amigos e devolvidas ao Visconde. Ali escreveu sua memorável “Exposição aos Credores”, por vezes denominada sua autobiografia, que acaba com um penúltimo parágrafo memorável: “Só me resta fazer votos para que, no meio século que se segue, encontre meu país quem se ocupe dos melhoramentos materiais de nossa terra com a mesma fervorosa dedicação e desinteresse (digam o que quiserem os maldizentes) que acompanhavam os meus atos durante um período não menos longo, serviços que tiveram por recompensa um procedimento desnecessário pois, este ato de poder judiciário (a falência) só pode dar-se porque a legislação insuficiente que possuímos a respeito dos interesses monetários, desconhece o verdadeiro princípio em que se assentam esses interesses – a liberdade das convenções”

Colaborou com os liquidantes na alienação de ativos remanescentes e com as receitas obtidas quitou todas as pendências, caso absolutamente inusitado. Com isso, em 1884 recebeu do amigo e Ministro Miguel Calmon du Pin e Almeida a carta de reabilitação plena para exercício de qualquer atividade comercial e bancária. Pela primeira vez na vida pública, chorou de emoção. Tinha sua esposa May ao lado nesta hora. 

Ele ainda realizou com sucesso operações através de uma empresa financeira que tinha aberto com 19 sócios amigos e parceiros de toda vida na Inglaterra. Em paralelo, no plano pessoal, conviveu mais com a família acrescida de muitos netos. 

Sofrendo de diabetes e envelhecido por esta exaustiva vida, o Visconde faleceu no dia 21 de outubro de 1888, em Petrópolis. Havia neste dia descido e subido a serra para atender a um compromisso no Rio. 

Foi a maior expressão econômica que o Brasil já possuiu, um homem de negócios como os mais avançados do mundo, ético no mais alto grau e marcado pelo trabalho. 

Meio século depois, em 1936, referindo-se a outro contexto, embora aplicável neste de Mauá, Lorde Keynes escreveu em seu livro “General Theory” (Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda): “Most probably our decisions to do something positive, the full consequences of which will be drawn out over many days to come, can only be taken as the result of animal spirits – a spontaneous urge to action rather than inaction, and not as the outcome of a weighted average of quantitative benefits multiplied by quantitative probabilities(…)”. Da mesma forma, e sintetizando tal pensamento de Keynes vemos que esta espontânea decisão de agir em vez de não agir que caracteriza a essência do chamado “espírito empreendedor”, foi também caracterizada por Joseph Schumpeter como “o atributo do empresário dinâmico, a personalização da vitalidade empresarial”, conforme descrito em seu livro “Capitalismo, Socialismo, Democracia”, de 1942. 

Foi um homem, portanto, muito avançado para o seu tempo. Mauá viveu no século de grandes mudanças na economia, nas tecnologias, nas relações sociais e trabalhistas. Foi também o momento da consolidação dos países da América do Sul, da partilha da África pelas grandes potências e da formação da Europa Moderna. 

A Associação Comercial do Rio de Janeiro – com muito orgulho de antigo presidente – desde seu falecimento se denomina “Casa de Mauá”, aquele que sonhou um Brasil grande e rico, eticamente construído pelo trabalho, pela iniciativa privada e inserido na economia mundial.

José Luiz Alquéres
Grande Benemérito e Ex-Presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro