Embora cabíveis, não pensem que as duas palavras acima se referem à indignação pela cidadania ultrajada. Ou pela prisão em série dos patéticos dirigentes do Rio, os de ontem, os de hoje e até os de futuro próximo.
Tampouco imaginem que estou a me referir à vergonha da insegurança pública, ao inominável abandono de itens de essência como escolas e hospitais.
Não, este horror de agora é um horror menor, mas não menos agressivo para quem cultua a cidade. É também um esboço possível do desprezo do poder municipal para com os adereços que mimoseiam praças e passeios públicos, ou seja, as estátuas, as obras de arte, as esculturas. Por outro lado, antepõe-se ao abandono a selvageria dos indivíduos que as golpeiam sem dó, nem piedade. Tão somente para trocá-las por míseras moedas em ferro-velho, ou por abjeta maldade, ou ainda para atender a colecionadores hediondos (sim, eles existem), capazes de encomendar a “bandidos” de aluguel a privatização de obras de arte do povo, da cidade, do país.
Meu amigo Nireu Cavalcanti, zeloso (e corajoso) defensor da história e dos bens cariocas, denunciou recentemente o estado de descaso a que nossos acervos de rua são desterrados.
Mantenho interesse quase sacralizado por esses mimos urbanos e costumo chamá-los de “adereços artísticos das praças”. Serão todos eles suas pulseiras, seus brincos, seus colares. Indispensáveis, já se vê, à formosura de uma cidade-mulher como a nossa.
Não pretendo me dar o acabrunhamento de enumerar a destruição das centenas, talvez milhares, de joias subtraídas aos olhos de todos nós. Dói-me, em especial, a brutalidade com que pequenos adornos são destruídos pela selvageria de meliantes, que, acho, não fica atrás da olímpica desatenção municipal. Ao contrário, ambas se conjugam, e potencializam o horror.
Abate-me o destroçamento de peças de Mestre Valentim, ícones do século XVIII, em especial as do Passeio Público. O Chafariz dos Jacarés foi duramente vilipendiado, com animais em bronze sem parte de rabos, dentes. Também, meu Deus, a estátua de Tritão (igualmente valentina), dentro do lago do Passeio, foi condenada a ficar cotó, com o braço de cobre cortado e roubado. Mas o horror também há de ser tributado ao descaso da Prefeitura, não só por conta do chafariz dos Jacarés, como também pelo abandono do não menos encantador chafariz do Lagarto, praticamente coberto por sujeira, mato-alto, dejetos.
Paro por aqui, propondo uma brevíssima reflexão à Prefeitura: quando o poder público cuida, limpa, recompõe, o cidadão tende a limitar sua sanha destruidora.
O exemplo do metrô, bem tratado e prontamente recuperado de eventuais mal-tratos, serve como modelo. O distinto público se habitua aos bons tratos. E também os repete. Até por instinto.
Se nossas obras de arte públicas merecessem atenções máximas em cuidados, duvido que o espírito predador prosperasse.
Talvez não estivéssemos aqui a bradar “o horror, o horror.”
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Conselho de Assuntos Culturais da ACRJ e Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin