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Não podemos desperdiçar uma nova oportunidade para o gás natural no país

Não podemos desperdiçar uma nova oportunidade para o gás natural no país

O gás natural está destinado a ter um protagonismo cada vez maior no cenário energético mundial. E no Brasil não será diferente, seja pelos ganhos ambientais, seja pelo aumento da oferta e, principalmente, pelas suas múltiplas aplicações, conferindo, ao mesmo tempo, ganhos de eficiência e competitividade para a indústria. E o momento atual não poderia ser mais propício para o futuro do setor.

O país vive um processo de retomada dos investimentos e da confiança empresarial. A redução da inflação e das taxas de juros e o crescimento da atividade econômica demandarão mais energia, e o gás natural será um importante fator de competitividade e garantia energética. O desenvolvimento da exploração do pré-sal irá aumentar a oferta e demandar mais investimentos.

O programa “Gás para Crescer” nasce com o objetivo de modernizar o marco regulatório do setor e garantir esses investimentos a partir da criação de um ambiente de maior concorrência e de maior facilidade de acesso à infraestrutura. Deve, portanto, ser visto como muito importante para o futuro da indústria do gás natural no país. Mas precisamos analisá-lo com atenção para não incorrer em erros do passado, sob pena da indústria do gás natural – e o país como um todo – perderem essa nova oportunidade.

Há uma década iniciou-se a discussão do que veio a ser a atual Lei do Gás, promulgada em 2009. O otimismo inicial das discussões deu lugar a uma grande frustração em razão de uma Lei pouco ambiciosa e de difícil implantação. Passados esses anos, não produziu a abertura e a concorrência esperadas no mercado de gás natural. Investimentos essenciais ficaram travados.

É preciso ter claro que o principal objetivo do processo de liberalização do mercado de gás deve ser o aumento da concorrência e o incentivo à entrada de novos players, a fim de se obter preços mais competitivos ao cliente final, viabilizando a retomada dos investimentos na expansão do sistema e a consequente universalização dos serviços.

A proposta de Projeto de Lei (PL 6407), sem dúvida, contém avanços em relação à Lei do Gás, e está mais alinhada com os objetivos finais.  Mas, para torná-la mais efetiva, ainda são necessários alguns ajustes importantes, a serem feitos e que ainda não foram considerados. O setor do gás natural no Brasil, ao contrário de outros países, tem dois âmbitos regulatórios, a União e os Estados, e é dentro desse marco complexo que a nova Lei deverá ser aplicada. Não compreender e considerar esse fato poderá comprometer a sua implantação.

Um exemplo claro é a necessidade de uma dupla regulação da atividade de comercialização, tanto pela Agencia Nacional do Petróleo (ANP) quanto pelas Agências Reguladoras dos Estados, cabendo a estas fiscalizar os contratos de serviços de distribuição de gás para os clientes livres, como também os critérios de migração de um cliente do mercado cativo para o mercado livre e os impactos dessa migração.

O gás natural, para chegar ao cliente final, livre ou cativo, vai precisar transitar pelas redes de distribuição, e para isso um comercializador também precisará firmar contrato com a distribuidora. Este terá que seguir as regras da regulação estadual quanto à medição, tarifas, perdas, condições de migração do mercado cativo para livre.

Outro ponto de potencial conflito do texto preliminar do PL com o paragrafo 2º do artigo 25 da Constituição Federal, assim como já ocorre na Lei do Gás atual, é a previsão de um terceiro ser autorizado a construir uma rede de distribuição caso uma distribuidora decline do seu direito, tendo em vista que cabe tão somente ao poder concedente – no caso os Estados – outorgar a um agente privado o direito de explorar os serviços de distribuição de gás.

Seria também importante garantir que, na Lei ou em regulamentação posterior, sejam tratados alguns elementos fundamentais num processo de liberalização como, por exemplo, o supridor de ultimo recurso, a tarifa de ultimo recurso, os critérios de intercâmbio de capacidade e volumes entre os agentes, a gestão técnica do sistema e os critérios de balanço e troca de capacidade entre comercializadores, os limites de concentração de mercado, dentre outros.

No Brasil, pouco mais de 4% dos domicílios recebem os serviços de gás canalizado, contra uma média internacional de cerca de 24%.  O país tem aí uma enorme oportunidade para aumentar a taxa de investimento/PIB. Se conseguirmos condições de levar os serviços de gás canalizado a níveis mundiais, ou mesmo aos níveis de universalizaçao de outros serviços como energia elétrica, água, Internet e TV a cabo, poderíamos, nos próximos anos, aumentar significativamente os investimentos do país, com reflexos no emprego e em toda cadeia produtiva do gás.

Hoje o Brasil tem um mercado de gás ainda muito fechado. Apesar do esforço de todas as distribuidoras de gás nos últimos anos, a ausência de operadores privados em muitas delas limita a capacidade de investimento e o ritmo da expansão, o que nos distancia da tão desejada universalização dos serviços. Do lado da oferta, a falta de um ambiente de concorrência e livre mercado faz com que o custo do gás natural no mercado interno se situe em níveis altos se comparado com os praticados nos EUA, UE e de nossos vizinhos na América Latina.

No caso especifico do Rio de Janeiro, o fato de já existir uma regulação especifica para clientes livres, a introdução de efetivas medidas de liberalização do mercado de gás no pais teria um impacto mais imediato.

Outros dois fatores que favoreceriam a longo prazo o Rio num processo de liberalização do mercado de gas seria pela introdução de um novo modelo de tarifa de transporte tipo, Entrada e Saída, como também pela perspectiva de crescimento da oferta por novos produtores na bacia de Campos.

Com um Mercado Livre e a presença de concorrência na comercialização alguns mercados com características singulares, como algum segmento da indústria, GNV pesados, Cogeração, etc. poderiam obter ofertas de gás mais atrativas seja por preço ou flexibilidade.

Portanto, construir um novo marco regulatório é fundamental para a expansão sustentável do mercado, criando um ambiente de concorrência onde o cliente final seja beneficiado independentemente de seu tamanho ou setor. 

Nesse sentido, levar em conta experiências similares e bem-sucedidas em outros países, observar as singularidades da regulação e, acima de tudo, buscar uma transição gradual que não crie desequilíbrios estruturais no setor é o melhor caminho a seguir. Não podemos desperdiçar uma nova oportunidade para o gás natural no Brasil.

Bruno Armbrust