Por Reinaldo Paes Barreto – membro do Conselho Empresarial de Cultura da ACRJ
Aproxima-se a noite do Réveillon e quase todo mundo pensa em “espumante”, que é a bebida da celebração, do pra cima, do espoucar das rolhas acordando um novo ano. Réveiller, em francês, é despertar.
Mas muita gente não sabe a diferença entre os três e chama todos os vinhos com bolhas de “prosecco”. Ora, é como chamar todas as lâminas de Gillete, todas as esferográficas de Bic ou todos os analgésicos de Aspirina.
Mas vamos lá. Prosecco é o nome de um tipo de uva, originária do Vêneto, no norte da Itália, cultivada na região há mais de um século e com a qual alguns produtores elaboravam (e cada vez mais) esse espumante gasoso, consumido durante muito tempo quase que exclusivamente por ali mesmo (Treviso, Veneza, Pádua). Até que lá pelo fim dos anos 1980 algum barman mais criativo, de um dos barezinhos da Praça de São Marcos, resolveu preparar um drinque, misturando três dedos de Prosecco, com outros três de Aperol e completando a taça com água tônica e uma fatia de laranja na borda. Pegou imediatamente! E virou moda. Mas sorte é sorte e na virada do ano 2000, o Réveillon do Século, algum marqueteiro “vendeu” o conceito que o Prosecco era uma espécie de champagne jovem, descontraída, para se beber na praia, na piscina…
E o consumo explodiu mundo afora.
Aí, e para evitar (não conseguiram!) que outros produtores de outras regiões — e até outros países, como o Brasil — se beneficiassem do estrondoso sucesso do Prosecco, em 2009 as vinícolas mais estruturadas solicitaram ao “Consorzio di Tutela della Denominazione di Origine” licença para mudarem o nome da uva-base para Glera, e que toda a região passasse então a chamar-se Prosecco, o que pela legislação brasileira (*) seria uma IG (Indicação Geográfica).
Por isso, muita gente (boa), repito, acha que “prosecco” é o genérico de espumante. E não é. Embora haja excelentes “vini spumanti” feitos com a uva Glera, como o Prosecco Superiore de Valdobbiadene, bastante caro porque é exclusivamente produzido nas colinas “di Conegliano”, ao norte de Treviso, no Vêneto.
Já os verdadeiros espumantes são vinhos bem mais complexos, porque são produzidos pela fermentação de três tipos de uvas. Ou, pelo menos, duas. Uma branca, quase sempre a Chardonnay e uma ou duas tintas. Na França, essas duas tintas costumam ser as mesma utilizadas para o Champagne: a Pinot Noir e a Pinot Meunier.
E são conhecidos por vários nomes. Na Espanha, eles chamam de “cava”; na França de “mousseux” ou “crémant”; nos países anglo, de “sparkling”; na Itália, de “spumante” ou “fizzante”; na Alemanha de “sekt”; e nós, e os hispânicos, de “espumante”.
Finalmente o Champagne. É um super-espumante, de altíssima qualidade e protegidíssimo por uma legislação específica e rigorosa. A lei de 1911 tem como objetivo garantir que só podem ser chamados de Champagne, os vinhos elaborados com essas três castas, plantadas e colhidas nessa região delimitada contendo, obrigatoriamente, a palavra Champagne no rótulo, nas caixas, nas embalagens e nas rolhas. Além de uma série de outras exigências.
Mas o Champagne (em francês é masculino), não é apenas um vinho espumante. É uma lenda. Um patrimônio da França que o imaginário coletivo identifica como símbolo de poder (brinde dos dos chefes de estado), da vitória (podium do vencedores de Fórmula Um) e da sensuualidade (filmes, romances).
Ou da poesia, se preferirem. Tanto que o “inventor” do Champagne, o monge Don Pérignon, teria comentado ao prová-lo: “estou bebendo estrelas”.
Uma curiosidade. As primeiras garrafas de champagne Veuve Clicquot chegaram ao Rio de Janeiro em 1826, importadas pessoalmente por D. Pedro I, em carta de próprio punho à Veuve Clicquot.
(*) Segundo o meu colega Gustavo Novis, da diretoria de Marcas do INPI, o “Consorzio Tutela Vino Prosecco di Conegliano-Valdobbiadene” requereu ao nosso Instituto um pedido de IG para PROSECCO, no Brasil. Está em exame.
Reinaldo Paes Barreto é assessor da DIREX no INPI e cronista de vinhos e gastronomia