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Ano de eleição é imprevisível e crítico

Ano de eleição é imprevisível e crítico

Por Marcílio Marques Moreira, presidente do Conselho Empresarial de Políticas Econômicas da ACRJ. Artigo publicado no Jornal O Globo, dia 5/4/2022

O emaranhado de cenários para 2022 é tão abrangente que a resultante incerteza tornou-se fator que, segundo Frank Knight, conduz à paralisia decisória. Em contraste, cenários de riscos são inerentes ao liberalismo econômico. Empresários aguçam o apetite ao confrontar riscos.

Incerteza puro-sangue, por sua vez, fragiliza o esforço de desenvolvimento. Além do imediato efeito negativo, tem consequência duradoura, quando coincide com outra característica das economias latino-americanas: a fracassomania. Nos anos de distensão econômica e euforia pós-ditadura, o Brasil parecia ter escapado. A pandemia e a fraca reação a recentes crises econômicas jogaram-nos, entretanto, em situação pior. Caímos na armadilha da renda média. O sistema de saúde pública teve a estrutura testada pela pandemia, mas o sistema de educação, precário, tem dado sinais crescentes de fadiga.

Tanto ao governo quanto à oposição, faltaram a ideia clara da obra a realizar, permitindo a captura de políticas públicas por oportunistas ávidos em transformá-las em instrumento a serviço de interesses especiais, religiosos, partidários, políticos ou econômicos.

Ao governo faltou, ainda, capacidade de governar e perceber a realidade das dificuldades que vivenciamos, não suportando o acúmulo de dívidas sociais, ofuscadas por véu de pseudosoluções.

A abstenção eleitoral seria resposta ao prevalecente deserto de homens e idéias. O desalento é especialmente agudo entre jovens com recente direito a voto, cujo segmento sofreu forte queda devido ao nosso envelhecimento demográfico.

Os múltiplos desafios, entretanto, não recomendam abstenção. Exigem engajamento de todos para evitar graves descaminhos. Urge redobrar esforços, e afirmar, à maneira de Max Weber, em “A política como vocação”: Dennoch! Isto é, apesar de tudo, de “líderes” que desmerecem sê-lo e de propostas obsoletas, incapazes de corresponder a demandas cuja gravidade insistimos em não reconhecer.

A poucos meses para a eleição, a preocupação tem de afastar-se do imediato e estender-se a prazos mais longos. O mundo e o Brasil estão em transição energética, climática, digital, G-5, descarbonização, hidrogênio verde, realidades que não podemos desprezar.

Mudanças despontam no horizonte, mas supostos líderes não sabem ou não querem enfrentá-las. São desafios passados, atuais e futuros. Têm de atender aos avanços da técnica e da ética do amanhã.

A economia mundial apresenta alto índice de inflação. Nos Estados Unidos, chegou a mais de 7,5% anuais. A atual crise, inclusive as reações a ela, tendem a gerar pressões de váriada índole.

Há ainda a incerteza quanto ao comportamento da pandemia e da guerra Rússia-Ucrânia, que se expande lenta, mas cruelmente. É necessário continuar atento ao possível surto de novas cepas e às consequentes mudanças nas cadeias de suprimento.

Causa preocupação especial a política de Covid Zero da China. Surto de nova cepa pode estar levando a lockdowns em vastas regiões e importantes cidades, reforçando a quebra na oferta de fertilizantes e de chips.

Com a conjuntura global já difícil, a mal pensada guerra de Putin trouxe incerteza adicional, que veio se somar ao polarizado e empobrecido quadro eleitoral brasileiro. Isto abriu a projeção do PIB de 2022, de consenso em torno de – 0,5%, para cenário entre 1,5% negativo e 1,5% positivos. Há quem acredite que o Brasil possa vir a receber fluxos externos de recursos com que reforçaria o já alto nível de investimento em 2021: 19,20% que contribuíram para que o crescimento do PIB superasse os 3,9% da queda em 2020.

As projeções podem desviar-se para cima ou para baixo. No setor imobiliário, apesar do aumento de juros; há avanços em serviços à família, e em alguns setores do varejo. Por sua vez miniempreendimentos em 2021 geraram quase 4 milhões de novos negócios, mais 18,8% do que em 2020. É verdade, novas vagas surgiram no setor informal que alguns insistem em desprezar, considerando-as de segunda categoria, embora no Brasil sempre precederam as empresas formais, ao traduzir procura por futuro melhor, que sói brotar da criação de mininegócios com mais força do que por burocráticas “carteiras assinadas”.

Como salientou Krugman, as consequências da “Guerra Europeia” serão severas, “mas não catastróficas”. Nossa preocupação deve ser, portanto, o resultado de nossas eleições, presidencial e congressual. Delas depende nosso futuro político, econômico e social.

Marcílio presidiu a Casa de Mauá entre os anos de 2001 e 2005. Foi ministro da Economia e diplomata e é autor de diversas obras.

Artigo na íntegra aqui