Esta crônica de hoje difere um tanto das demais que publico a cada semana. Trata-se de uma necessidade de por o trem nos trilhos mais uma vez neste país, que parece cultivar contradições. Aproveito para louvar frase emitida há dias pelo Ministro Barroso, do STF, que assevera a fundamentalidade de o Brasil se acostumar a apontar, corrigir e punir o errado, o crime, o rejeitado pela consciência média do país. Sim, porque esse tipo de consciência existe de fato, e ai de quem ficar a imaginar em ficção coletiva. Ou seja, essa será uma vertente de nossa maioria silenciosa.
Da mesmíssima maneira que a ampla maioria dos brasileiros se horrorizou com desacertos como libertação e fuga do traficante André do Rap ou com o Senador-Cueca de Roraima, que mereceu do colunista Merval Pereira o mais abrangente e criativo adjetivo de “dinheiro sujo”, tanto pela indicação de roubo quanto pela escatologia do local onde a dinheirama foi alojada pelo criminoso.
Em nome do Centro Dom Vital (100 anos em 2022), órgão de estudos acadêmicos da Igreja Católica, venho a público não só em apoio à Arquidiocese do Rio de Janeiro como em solidariedade à dignidade do entorno da estátua do Cristo Redentor do Corcovado, principal ponto turístico, bem como de beleza e de fé da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, para expor o que se segue:
1- Como é de farto reconhecimento público, o Cristo Redentor do Corcovado foi construído a partir de 1922 por conta de histórico movimento de pressão e generosa doação da população carioca, sob a liderança do Cardeal Dom Sebastião Leme, então Arcebispo do Rio.
2- Em 1990, depois de uma grande obra no cume do Corcovado, uma parceria foi firmada entre a Arquidiocese e o Governo Federal, em que o IBAMA (hoje Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO) ficava responsável pela vigilância, limpeza e conservação do Santuário. Na verdade, todas as eventuais benfeitorias sempre foram feitas pela Arquidiocese com apoio da iniciativa privada. Até porque ao sopé da imagem está a capela Cristo Redentor, diligente e constantemente aos cuidados do Padre Omar Raposo, um dos mais estimados clérigos da cidade, também reitor da mini paróquia, além de orientador eclesiástico deste Centro Dom Vital.
3- De fato, o ICMBIO nunca promoveu benfeitoria lá em cima, apenas controla os ingressos que visitantes pagam para entrar no parque. Só há pouco, a Igreja conseguiu a contribuição de R$ 1,50 para fazer a manutenção do monumento, valor evidentemente mínimo e insatisfatório.
4- Ao fim de agosto, a Arquidiocese do Rio enviou carta ao Ministério da Casa Civil notificando a rescisão do convênio firmado há três décadas. O ofício não foi respondido pela pasta, e a Igreja reassumiu a gestão da área, que cabia ao ICMBIO, que não se manifestou à época.
5- Agora, para surpresa geral, o Instituto impetrou ação e conseguiu a reintegração dos sete pequenos estabelecimentos comerciais e turísticos que funcionam em torno da imagem.
6- Cabe esclarecer aqui, como antecipou o colunista Ancelmo Gois, do Globo, que o convênio original previa a naturalíssima autonomia da Igreja Católica na administração e posse das sete lojinhas turísticas que se localizam desde a subida das escadas até a base do monumento.
7- A Arquidiocese acaba de anunciar que vai promover ação de reintegração de posse contra o ICM RIO, porque o Ministério do Meio Ambiente não poderia arguir a posse em terreno que não lhe pertence, senão à Arquidiocese desde a inauguração do monumento em 1931. O que foi reforçado por decreto da Presidência da República em 1965, quando o Presidente Castello Branco cedeu a titularidade do Alto do Corcovado à nossa Arquidiocese, de que é hoje titular o eminente Cardeal Orani João Tempesta.
8- A diretora jurídica da Arquidiocese, Claudine Dutra, informou ainda que em nenhum momento o ICMBIO deixou claro o que pretende fazer com o local, caso o Governo Federal não reveja esse ato de hostilidade contra o monumento mais famoso do Brasil. Há quem imagine que até projetos mirabolantes ligados à vilania da especulação imobiliária estariam em curso.
Portanto o Centro Dom Vital, de que já foram presidentes intelectuais católicos da dimensão de Alceu de Amoroso Lima, Gustavo Corção, Sobral Pinto, Tarcísio Padilha ou Luiz Paulo Horta, entre outros notáveis, deixa público, por este intermédio, o apelo, tanto ao Presidente Jair Bolsonaro no sentido de determinar ao Ministro do Meio Ambiente a desistência de tal ação, também rogando ao Chefe da Casa Civil a rescisão do convênio firmado na década de 90. O acordo transferiu para o Parque Nacional da Tijuca, criado em 1961, quando o Cristo já estava lá – o conjunto Cristo Redentor, com limites a partir da estação da linha férrea até o topo do Corcovado, inclusive as tais lojinhas.
Este debate é inconveniente por tudo. Nada soma. Antes ao contrário, só divide. E ainda ofende os brios dos católicos, que foram os legítimos financiadores lá atrás nos anos 20 da construção do Cristo do Corcovado. Ninguém jamais poderia imaginar, muito antes e, sobretudo agora, que mecanismos estranhos à racionalidade comum quisessem se apossar de local tão adotado nos corações dos cariocas, dos brasileiros e de turistas de todo o mundo. Por nada. E para nada.
Ricardo Cravo Albin
(*) Benemérito e presidente honorário do Conselho Empresarial de Assuntos Culturais da ACRJ