Artigo do presidente do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da ACRJ e do Comitê de Estudos da Transparência Pública da OAB/RJ, Humberto Mota Filho.
Ao final da minha primeira semana de home office, no momento em que escrevo esse artigo, tenho amigos com coronavírus e conhecidos que faleceram em função desse mesmo vírus. Somado às histórias das tragédias humanas e da falência de sistemas de saúde de alguns países, e, potencializado pelas repercussões políticas e econômicas da aguardada crise humanitária e econômica, em escala global, em decorrência da pandemia do coronavírus (“Covid-19”), vivenciada por muitos brasileiros, não deixam margem a qualquer dúvida: essa pandemia é o desafio da nossa geração!
Tudo isso não pode nos paralisar. Nesse momento crítico é fundamental refletir sobre como lidar da melhor maneira possível com tal pandemia e agir rápido. O Covid-19 não é de esquerda, nem de direita, não tem passaporte, nem preferências políticas e provoca uma crise global de saúde pública com repercussões imprevisíveis neste momento, mas certamente afetará a todos. Isso define um cenário de muitas incertezas e riscos, sob o qual decisões importantes sobre a saúde e a economia nacional deverão ser tomadas, sem um plano prévio ou estudo, num ambiente de pressão muito grande. Portanto, exige um enorme esforço de coordenação política e social, para que muitas dos riscos possam ser mapeados, quantificados e geridos.
Num cenário de calamidade pública declarada pelas autoridades brasileiras, não se pode correr o risco de paralisação, por conta de brigas políticas, de um apagão de canetas burocrático, pela dificuldade jurídica na implementação de medidas de flexibilização orçamentária ou de compras públicas emergenciais sem licitação. Ou ainda para a correta destinação dos recursos aos beneficiados por programas de suporte econômico e preservação de empregos. Por outro lado, não se deve permitir, tampouco, a execução de uma série de medidas inócuas ou equivocadas, que eventualmente, façam mais mal do que bem, ainda que bem intencionadas. Claro, haverá equívocos no caminho, mas precisamos ter certeza que a estratégia escolhida esteja sendo implementada segundo as leis e as melhores práticas de integridade exigidas agora, além de saber qual o seu custo e, num momento posterior, quais foram os seus efeitos. Acima de tudo, as informações devem ser transparentes e fornecer a segurança jurídica necessária para a tomada de decisões rápidas. Esse é o desafio! Esse é o caminho!
Como Kahneman já nos ensinou, decisões sob pressão num cenário de incertezas precisam contar com filtros. O melhor filtro que já foi inventado é a transparência pública. É preciso agir, é preciso salvar vidas e preservar empregos e, também, é preciso acompanhar, de perto, como tudo isso está sendo feito. Hoje, em nosso país, a regra é a transparência pública. E, tanto as audiências públicas para reunir especialistas da saúde na comunicação de protocolos, quanto as consultas aos órgãos de governo sobre os pedidos de informações, acerca das medidas adotadas pelos envolvidos no combate ao coronavírus e, para a preservação da atividade econômica, podem ser feitas, na maioria dos casos, eletronicamente, sem comprometer as medidas de isolamento social.
A transparência das ações do governo no enfrentamento dessa pandemia pode ser estimulada, com boas práticas de gestão, pela simplificação no acesso eletrônico às propostas de peças orçamentárias discutidas no Congresso, em caráter emergencial, sua divulgação em links abertos, dedicados a evolução online dos gastos com as compras públicas emergenciais, divulgação dos fornecedores e, a definição de contas específicas destinadas aos gastos ao combate do vírus, facilitando sua fiscalização e a avaliação posterior dos seus resultados.
E como comunicar as informações transparentes existentes? Num cenário de incertezas e riscos, a Organização Mundial de Saúde, funciona como um hub de informações científicas confiáveis, cumprindo seu papel institucional. Tais informações precisam ser disseminadas de forma íntegra e com a rapidez necessária a todos os países do mundo. Em termos gerais, é preciso atentar para a governança da informação, ou seja, para o conjunto de normas, diretrizes e controles de responsabilidade desenvolvidos, a fim de assegurar o valor, a qualidade e o compliance das informações relacionados ao coronavírus. Assim, todos nós brasileiros devemos agir com responsabilidade e não disseminar informações sem fonte confiável e que promova pânico ou desinformação.
Cada vez mais transparência será essencial no esforço de comunicação do governo e seus líderes, profissionais de saúde e burocratas para fortalecer os laços de confiança e de solidariedade na sociedade, ao revelar os propósitos das medidas, suas consequências esperadas, e o que realmente ainda não se sabe sobre o vírus. Isso permitirá adotar medidas duras como o isolamento social por mais tempo, se necessário, e na assimilação de protocolos de combate ao coronavírus, baseados em evidências científicas. Os laços de confiança surgidos de uma comunicação clara, honesta e transparente poderão impactar positivamente o comportamento esperado da população e gerar resultados mais rápidos na redução do padrão de curva de transmissão viral esperada.
Para tanto, aqui no Brasil, como estratégia de transparência ativa, a divulgação dos dados e das informações das políticas públicas desenvolvidas em virtude da pandemia do Covid-19 devem estar disponíveis e centralizadas num portal eletrônico, no âmbito de cada esfera de governo e serem atualizadas constantemente, com as justificativas devidas. Só isso garantirá que os brasileiros possam monitorar o avanço dessas ações, em números, independentemente do papel dos órgãos de controle. Assim, talvez, o isolamento social possa transformar alguns de nós em participantes ativos da fiscalização dessas medidas e até em monitoradores de sua efetividade, dentro da sua realidade particular. Essa é uma forma de controle social que não podemos desprezar, tornando-a, até quem sabe, um legado positivo, ao impulsionar um novo tipo de relação de cooperação público-privado.
Ações transparentes, principalmente em momentos de crise, têm maiores condições de cristalizar boas práticas e introduzir outras práticas positivas para a gestão pública. Nosso foco principal é a preservação da vida dos brasileiros. Mas isso pode ser feito consagrando boas práticas de transparência pública. Não há nada de incompatível nisso. Para tanto, devemos preservar a Lei de Acesso à Informação e suas conquistas institucionais e combater a epidemia de desconfiança nas informações ou campanhas de desinformação, a qual também pode fazer suas vítimas.