Eu deveria ficar feliz quando as pessoas têm problemas, afinal, sou advogada e quanto mais problemas, mais clientes e mais honorários. Mas, eu não sei porque, qual foi o problema na minha criação e na minha experiência de vida, que me faz ficar tão indignada com o que se passa no Brasil. Não consigo aceitar que para se ter um negócio ou para fazer valer um direito, tenha que ser tão difícil assim. Talvez entenda melhor porque vi de perto as dificuldades do meu pai, um pequeno empresário, talvez por defender direitos, conhecer as leis e as entranhas das administrações públicas. Por isso sei que não precisa ser bem assim: burocracia é importante, mas o excesso pode até matar, pessoas físicas e jurídicas.
Temos uma Constituição Federal maravilhosa, assim como leis que asseguram toda espécie de direitos, para todos. No entanto, no dia a dia, a história é bem diferente e não estou falando só de burocracia, estou falando de exigir bem mais ou bem menos do que a lei determina, de fazer a coisa mais difícil para o contribuinte, de lhe dificultar o exercício destes milhares de direitos que já constam nas normas. “Se pode ajudar, ajude”, bem poderia ser a missão dos órgãos públicos. Muitas vezes falta empatia mesmo e chego a esta conclusão depois de muitos anos de experiência, tanto como julgadora administrativa, como atuando todos os dias.
São inúmeros os exemplos para você, que nunca passou por isto (o que é bem difícil), entender como o problema é cultural. Em inúmeras situações falta mesmo é o velho bom senso. Havia uma empresa que pagava tudo direitinho, de acordo com a lei, um dia o Governo lhe cobrou um PIS a mais. A empresa, toda certinha decidiu esperar a justiça decidir que o tributo era indevido, para pedir a devolução dos valores que pagou a mais. Levou 20 anos para a Receita Federal reconhecer, afinal, o direito da pobre coitada. Os sócios morreram antes de ver a justiça ser feita.
Em outra situação, uma empresa pequena, que vende um produto quase artesanal no Rio, estava no Simples Nacional e por um erro de sistema a consideraram fora desse regime tributário simplificado (ah, os sistemas, então!). O fisco autuou, cobrou ICMS e multa fora do Simples. Até aí seria normal, o que é extraordinário é a empresa provar por A mais B que era do Simples e que não devia mais nada fora desse regime e continuar sendo cobrada como se fosse “super normal” cobrar uma dívida que se vê de pronto indevida. Será que alguém pensa que aquele caso pode significar o fim de uma empresa, seguido do fim da renda dos empregados e da própria receita que o fisco receberia?
Todos os dias empresas são multadas e punidas, muitas vezes sem nenhuma necessidade. É claro que em muitos casos a multa é devida, como um dia que peguei um processo no qual a própria empresa tinha escrito em uma caixa “Notas frias, não entregar ao fisco”. Eu não fiz estatística nos 7 anos que fui julgadora administrativa no Conselho de Contribuintes do Estado e nem nos 3 de Conselho de Contribuinte do antigo Ministério da Fazenda, mas muitas empresas eram acusadas injustamente, de dar pena mesmo. Lutei muito para que a justiça fosse feita nestes anos todos de atuação.
É tanto absurdo que julguei uma vez um caso de uma escolinha religiosa do interior que foi multada em quase um milhão de reais porque não emitiu o cupom fiscal para os pequenos alunos, que compraram a merenda no recreio. A escola, como prestadora de serviços, nem era contribuinte do ICMS, era do ISS, o imposto municipal, no entanto, o fisco estadual a multou em quase um milhão de reais. A multa era tão injusta, que neste caso todo mundo concordou em retirar.
Mas, não pense que é só pessoa jurídica não. Julguei certa vez o caso de um homem que ao retornar de uma viagem trouxe na mala 10 portas rolos de papel higiênico de crochê e acabou autuado e cobrado de imposto e multa porque entendeu a fiscalização que ele estava comprando para revender. O homem faltou chorar no recurso, porque além de tudo, estava desempregado.
Meus amigos fiscais, que são maravilhosos, vão dizer que eu sei que eles só cumprem as leis, que os meus amigos deputados, que por sua vez vão dizer que fizeram para o bem geral da sociedade. E eu sei disto, reconheço, mas em muitos casos o que falta mesmo é respeitar a lei e olhar um pouco para os tantos direitos do povo, com bom senso.
Tem um princípio na Constituição Federal que diz que qualquer administrador público deve agir com razoabilidade e todo mundo sabe o que é razoável. É inadmissível que diante de uma clara ilegalidade ou nulidade qualquer autoridade se cale, se omita. Entendo o servidor, que vive sob o risco de ser mal interpretado, mas é preciso mudar a postura e enfrentar as injustiças. Com um pouco de boa vontade alguma coisa já muda muito.
Muitos estão crentes que a solução é passar tudo para a Internet, que só isso simplifica tudo. Lamento em informar que não. Estão criando a “eBurocracia”, segundo a qual você tem que preencher ainda mais declarações, campos, formulários e de um jeito bem mais difícil. Além de entender de tributos, o que já é bem complexo, as pessoas estão tendo que entender de informática, dos sistemas criados por homens que nunca tiveram que cumprir uma obrigação empresarial, que conhecem as coisas só na teoria. Tem declaração com 3.000 campos, só para declarar uma contribuição federal. Não, só passar para o meio eletrônico não muda a cultura, não simplifica o complexo sistema.
É, caro cliente, independente do trabalho que terei por muitos anos, espero sinceramente que você seja mais querido e respeitado. Desejo que os princípios e regras básicas sejam sempre observados e que as leis sejam interpretadas em favor dos contribuintes, dos cidadãos e das empresas e não usadas para “matar as galinhas dos ovos de ouro”. Princípios e leis para isto não faltam, acredite, basta mudar a cultura.
Cheryl Berno