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Imposto Único vs Tributação Simples e Justa

Muito se fala atualmente na criação de um imposto único, que parece mesmo representar a simplificação de tudo. Acontece que a Constituição Federal dividiu os serviços públicos entre União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e para garantir a receita para a execução das tarefas, dividiu também os tributos (impostos) entre estes entes da Federação, assim cada um tem os seus impostos, as suas contribuições e a suas taxas. A criação de um imposto único já encontraria aí uma barreira, porque teria que haver uma mudança radical na Constituição Federal, de modo a operar o seu coração.

É certo que a Constituição Brasileira, que é a lei maior do país, já sofreu 99 reformas, sem contar as emendas de revisão, isto em apenas 30 anos, e em várias oportunidades o mote foi a reforma tributária. Mas, cada vez que se mexe na tributação, é para aumentar ou criar um tributo novo. Veja o caso da Contribuição de Iluminação Púbica, conhecida também por CIP ou COSIP, incluída na Constituição Federal para substituir a taxa que os municípios cobravam de todo mundo, pessoa física e jurídica, para manter a iluminação pública. Foi criada depois da Constituição Federal ter determinado quais seriam os tributos a serem cobrados. Outro exemplo, é o chamado FECP, um adicional do ICMS destinado ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, que nem previsto na Constituição foi, constou no seu anexo, chamado de ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), e foi ficando, tendo sido até distorcido e aumentado.

No Estado do Rio de Janeiro esse imposto adicional ao ICMS vem sendo renovado de tempos em tempos e representa um aumento de 2% a 4% na alíquota de ICMS. Por conta deste imposto a alíquota geral média passou a ser de 20%, sendo que para energia elétrica e para comunicações é em torno de 30%. Pasmem, cerca de 30% das contas de luz e telefonia é de imposto estadual, que incide sobre tudo que se consome e os Estados estão com as contas no vermelho. Aliás, quanto mais a pessoa consome mais ela paga desse imposto. A renda que é tributada em alíquotas escalonadas, que variam de 7,5% a 27,5% para pessoas físicas, o que deixa esse imposto um pouco mais justo.

As alíquotas dos impostos e das contribuições não constam e nem podem constar na Constituição Federal, que mesmo sem isto já tem 250 artigos sem contar o seu Anexo. Assim, se é para extinguir tributo ou para a sua redução nem precisa mudar a Constituição, basta alterar as leis e decretos, o que é bem mais fácil.

Em muitos casos os governos dão mesmo isenção ou baixam a alíquota a zero. E se pegar estes tributos todos e substituir por um vai melhorar? Não, porque os tributos têm uma lógica de ser, até para serem mais justos eles precisam incidir conforme a renda, a receita e as compras de cada um, etc. A criação de um tributo único oneraria demasiadamente até quem nem teria motivos para pagar um imposto, uns pagariam pelos outros e a divisão seria mais injusta ainda. Por exemplo, hoje só paga IPVA quem tem carro, só paga IPTU quem tem imóvel e só paga imposto de renda quem tem renda. Se houvesse um imposto só, até quem não tem nada teria que pagar. E quanto seria a alíquota deste imposto único e sobre o que incidiria? Não se sabe, até porque a Constituição não tem que dizer a alíquota, que deve ser fixada por lei mesmo. Mas e para quem tem carro, imóveis e renda ficaria melhor? Não há como assegurar, porque uns tem bens mais caros que os outros e a alíquota do tal imposto único teria que ser bem alta para cobrir tudo que se cobra hoje.

As empresas por exemplo, pagam Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro, PIS, Cofins, ICMS ou ISS, dependendo da atividade, IPI, Imposto de Importação e de Exportação, contribuições variadas sobre a folha de salários, para ficar nos mais conhecidos. Se todos estes tributos fossem extintos, quanto teriam que pagar da tal alíquota única para compensar? Em quase 30 anos que acompanho a matéria tributária e as dezenas de alterações e reformas nesta área, vi inúmeras propostas de mudança, sendo que a última só queria juntar o PIS com a COFINS, o que seria bem bom, mas não ocorreu porque houve uma briga entre a indústria, comércio e serviços quanto à alíquota do novo tributo. Isto que estávamos analisando só a junção de 2, imagine juntar tudo em um só. As taxas, por exemplo, só devem ser pagas por quem utiliza um serviço ou é fiscalizado por alguma atividade, se tivesse que ser embutida no tal “impostão”, esse novo tributo teria que ter uma alíquota bem mais alta.

A última reforma tributária, que quase passou, tinha o acordo de quase todos, mas na hora h, São Paulo recuou, porque o cerne era passar o ICMS do estado produtor, da origem do produto, para o Estado do consumidor. Os Estados produtores recuaram. Em uma reforma tributária, sempre vai ter os estes querendo defender as suas fontes de receita para execução das suas tarefas e os contribuintes querendo pagar menos. Afinal, ninguém paga imposto porque quer, feliz com isto, não é? Então melhor não pagar nada? Não, porque fosse assim quem pagaria pelas calçadas, pela iluminação pública, pelas estradas, pelos bombeiros, pelos policiais, justiça, por tudo aquilo que é posto a serviço do público? A cobrança dos tributos é necessária e faz parte da convivência em uma sociedade, o que precisamos é de uma simplificação inteligente, que facilite o pagamento, sem onerar o contribuinte, o que não é fácil, mas é possível. Essa simplificação, no entanto, se ficar só no discurso da desburocratização não ocorrerá, ela precisa ser feita de forma paulatina, com a participação de toda a sociedade e dos vários especialistas em cada área. Não dá para esperar que pessoas que não entendem nada da prática do dia a dia da tributação, façam a simplificação que atenda a quem trabalha na ponta.

As melhores práticas que vi nestes anos todos que de acompanhamento diário da legislação tributária, foram as que contaram com a participação dos contribuintes, fisco, contadores, advogados tributaristas, gente que tem que interpretar e pagar os tributos todos os dias.

O Simples Nacional foi sem dúvida um grande avanço, e pode ser utilizado como modelo. Por esse regime o contribuinte paga sobre a receita bruta e recolhe em uma única guia, sendo que o resultado é dividido com todos os entes. Há uma declaração a ser feita. E a maioria das empresas brasileiras é micro ou pequena e está nesse regime simplificado, o que já facilita muito.

É claro que não podemos tratar também todas as empresas como iguais, porque cada uma tem uma condição e uma realidade, mas é possível sim alterar muita coisa para simplificar. O que realmente não é possível, é criar a chamada “eburocracia”, na qual o fisco aproveita que está tudo no meio eletrônico e obriga a contribuinte a fazer dezenas de declarações, com centenas de informações e ainda fixa multas altas em caso de erros até básicos.

É preciso que sejam criados grupos em torno de cada tributo, para aos poucos, com muita cautela e estudo, se tentar simplificar o sistema. Só com a reforma dessas obrigações acessórias ao pagamento dos tributos, já ficaria bem mais barato e fácil pagar imposto no Brasil.

Há um princípio básico, que não à toa, é chamado de princípio da igualdade, que diz que os iguais têm que ser tratados com desigualdade, para se tentar atingir a igualdade. Assim, não dá para achar que a cura do câncer é simples. É preciso muito conhecimento para não se criar uma falsa expectativa de que um imposto único seria a panaceia. É preciso, antes de mais nada, ir costurando alterações básicas neste mar de “norminhas” que dificultam o conhecimento a interpretação das leis, que também precisam melhorar, com o tempo necessário e indispensável de debate e maturação com toda a sociedade.

Quem sabe, antes de irmos para mais uma das muitas reformas tributárias frustradas, possamos começar de forma mais simples, simplificando o que nem depende de reforma.

O Governo do Estado do Rio de Janeiro através da Resolução SEFAZ nº 37, de 21/5/2019, dispensou todos os contribuintes do Estado da entrega da GIA, a guia antiga do ICMS, que acabou obsoleta com a entrada em vigor do Sistema Público de Escrituração Digital, o SPED. A dispensa é daqui para frente e não exonerou os contribuintes da entrega e da correção das passadas, mas já está valendo como passo natural da simplificação. Esse pleito é antigo, e muitas empresas já tinham sido dispensadas deste documento ultrapassado, mas agora se deixou claro que ninguém mais terá essa obrigação daqui para frente.

O que mais pode ser extinto ou simplificado? Esse exercício deve ser pontual e indicado pelos contribuintes e seus representantes aos fiscos, para que não se caia no discurso vazio da desburocratização, porque a burocracia é necessária para os controles e formalizações, é o excesso de exigências que deve ser afastado. Uma administração pública eficiente também é primordial.

Neste cenário, antes de qualquer reforma, vale conhecer o Sistema Tributário Nacional e propor pontualmente as mudanças necessárias e possíveis, tendo em vista que o país é enorme e muito diversificado, para que as alterações não tragam ainda mais complexidade, mas sim a tão almejada simplificação, sem ainda que se perca de vista que qualquer um busca, ou deveria buscar, uma tributação justa, adequada à possibilidade de quem paga, levando em consideração as necessidades comuns de toda a sociedade brasileira.