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A História em chamas

A História em chamas

Na cronologia dos incêndios que vêm destruindo a nossa história, agora sofremos com esse último, em bonito sobrado no Centro Histórico de Petrópolis, em plena Rua do Imperador, nº 982. Edifício no estilo eclético, muito frequente à época de sua construção, provavelmente do início dos anos 30 do século XX, quando, segundo o livro de impostos da prefeitura, já pertencia à família Ferreira Alves, e onde funcionaram o Club Petrópolis, o Budge Club, bilhares e o Café Centenário até 1967.

Em 1789, as labaredas transformam em cinzas o Recolhimento de Nossa Senhora do Parto, no Largo do Carmo, hoje Praça XV. Essa tragédia foi retratada por João Francisco Muzzi em tela, hoje, na coleção dos Museus Castro Maya, importante registro iconográfico do Rio de Janeiro setecentista.

Em março de 1967, um incêndio aparentemente criminoso destrói quase que por completo a Igreja do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, na Rua Uruguaiana (antiga Rua da Vala). No episódio são perdidos valiosos objetos do movimento abolicionista, alfaias, adornos e paramentos setecentistas e oitocentistas.

Em 1986, pega fogo o Edifício Andorinha, da mesma época no nosso sobrado e também no Centro Histórico do Rio de Janeiro; dos 13 andares da construção sobrou, apenas, um painel de mosaico, único trabalho nessa técnica, de Belmiro de Almeida (1858-1935), importante artista brasileiro. Tive a oportunidade de acompanhar a restauração desse painel, que estava no hall do edifício, para ser transportado para a Praça Emilinha Borba, onde, até hoje, se encontra conservado pelos comerciantes ao redor.

Em 2002, apenas três anos após ser restaurada, um incêndio, de grandes proporções, atingiu a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Pirenópolis, significativo conjunto histórico arquitetônico do Centro-Oeste. Essa já, singelamente, reconstruída, mas com a dignidade de sua importância sociocultural.

Em 2011, consumida pelas chamas, a Capela de São Pedro de Alcântara da Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, construção de 1852, guarda hoje, como lembrança do elegante templo neoclássico, um Cristo de bronze, sem a cruz de madeira, em uma de suas paredes chamuscadas de fuligem e de carvão.

Em 2015, agora em São Paulo, é varrido pelas chamas o ainda novo Museu da Língua Portuguesa, o qual já teve o telhado refeito e se planeja reinaugurar este ano. Menos mal.

Sem querer me alongar mais nessa saga de um inferno, meio nômade, por nossas terras, histórias e estórias, ao findar o ano passado, sofremos uma das maiores perdas da história da humanidade, quando se viu arder, não só o Palácio da Quinta da Boa Vista em São Cristóvão, coração do Império brasileiro, como a sua coleção de história natural, mobiliário, iconografia, botânica, mineralogia e muito mais. Diz-se que havia mais de 20 milhões de itens no acervo… A indignação é grande, a dor incomensurável, e a esperança parece ser vã, para um povo cada vez mais sem memória, cuja luz da chama não ilumina, mas fere a alma.

Luciano Cavalcanti de Albuquerque
Membro do Conselho de Assuntos Culturais, arquiteto e Associado Titular do IHP.