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A FORÇA DISTINTIVA DA MARCA RECONHECIDA PELO STJ

Alexandre do Nascimento Souza
Alexandre do Nascimento Souza

A FORÇA DISTINTIVA DA MARCA RECONHECIDA PELO STJ

De um modo geral, há um certo consenso na doutrina em afirmar que marca é o sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos ou serviços, de modo a identificá-los e diferençá-los de outros idênticos ou semelhantes.

São apontadas, atualmente, pelo menos, quatro funções das marcas: (a) identificar o produto ou serviço, distinguindo-o do congênere existente no mercado; (b) assinalar a origem e a procedência do produto ou serviço; (c) indicar que o produto ou serviço identificado possui o mesmo padrão de qualidade; e (d) funcionar como instrumento de publicidade, configurando importante catalisador de vendas.

Originalmente, as marcas tinham suas funções restritas à indicação da origem ou procedência dos produtos postos no comércio. Sua finalidade precípua era, indicar ao consumidor, a indústria em que o produto havia sido fabricado, ou o estabelecimento comercial que o colocava à venda.

Esta função da marca de identificar a procedência dos produtos, distinguindo-os de outros similares transmudou-se, ao longo dos anos, no sentido de identificar os próprios produtos, principalmente depois da adoção generalizada das denominações de fantasia.

Com o tempo, determinados produtos passaram a ser conhecidos só pela marca que trazem, ignorando-se o nome do fabricante ou do vendedor. O consumidor começa a identificar o produto que tem as qualidades que prefere, a partir da sua marca, muitas vezes desconhecendo sua origem, diferenciando-o dos outros similares exclusivamente pela marca de sua confiança. Assim, adquire com segurança o produto que prefere, em meio a vários outros do mesmo gênero, assinalados por marcas diferentes.

A função identificadoradas marcas vem assumindo importância preponderante, em decorrência dos avançados métodos de publicidade, que se norteiam muito mais pela denominação do produto do que pelo nome do produtor ou comerciante.

Destarte, pode-se dizer que, ao contrário de antigamente, quando a marca apenas distinguia os produtos, indicando-lhes a origem, hodiernamente, a marca distingue-os e identifica-os, dando-lhes individualidade própria.

Por conseguinte, a distintividade é condição fundamental para o registro da marca, razão pela qual a Lei 9.279/96 enumera vários sinais não registráveis, tais como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, uma vez que são desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124 da LPI). Nessa toada, as marcas registráveis podem apresentar diversos graus de distintividade, daí falar-se em marcas de fantasia, marcas arbitrárias e marcas evocativas (também chamadas de sugestivas ou fracas).

As marcas de fantasia consistem em expressões cunhadas, inventadas, que não existem no vocabulário de qualquer idioma, são signos que foram criados com o único propósito de serem utilizados como marcas.

As marcas arbitrárias são palavras e expressões que já existem no vocabulário de determinado idioma, mas que são arbitrariamente escolhidas para identificar e distinguir produtos ou serviços com os quais elas não guardam qualquer relação.

Já as marcas sugestivas ou evocativas são aquelas expressões que sugerem determinada característica do produto ou do serviço que distinguem, costumam ser as preferidas dos empresários e dos profissionais do marketing, tendo em vista que, do ponto de vista comercial, são as mais fáceis de serem “vendidas”, ou trabalhadas no mercado consumidor.

É comum que no mercado haja uma exacerbação dessa função de identificadora do produto e, com isso, paradoxalmente, surja o fenômeno da diluição do valor distintivo.

Esse fenômeno, de diluição do valor distintivo de uma marca, ocorre quando, após conferida a proteção, o conteúdo da marca perde a distintividade. O exemplo clássico desse evento é a marca “XEROX” que, ao invés de distinguir o produto tecnologicamente característico, passou a se confundir com ele, genericamente.

Em sentido diametralmente oposto ao fenômeno da diluição do valor distintivo, está o “secondary meaning” ou significação secundária, que consiste na aquisição de distinguibilidade em decorrência do uso. Nesse fenômeno, uma palavra originalmente incapaz de apropriação exclusiva, por lhe faltar distinguibilidade, pelo fato de ter sido usada por um único produtor por muito tempo, passa a identificar aquele produto como sendo daquele produtor, ou seja, a palavra ganha um significado secundário.

Embora a Lei 9.279/96 proíba o registro de sinais desprovidos de distinguibilidade, que são empregados comumente para designar qualidade, há uma excludente de aplicação desta norma na própria parte final do inciso proibitivo VI do art. 124, que diz “salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva”.

Assim, determinados sinais, inicialmente irregistráveis, passam a exercer as funções de uma marca, em razão da aquisição de suficiente forma distintiva pelo uso. 

Essa teoria foi aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça com relação à marca iPhone da Apple, em confronto com a marca registrada no Brasil pela Gradiente, “G GRADIENTE IPHONE”.

Segundo o Ministro Luis Felipe Salomão, em razão do baixo grau de distintividade da marca evocativa, a regra da exclusividade do registro é mitigada e seu titular deverá suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. No caso da expressão “iphone”, elemento secundário da marca mista concebida à Gradiente, o termo caracteriza-se como evocativo, tendo surgido da aglutinação dos substantivos ingleses “internet” e “phone” para designar o aparelho telefônico com acesso à internet (também chamado de smartphone), razão pela qual essa expressão integrante da marca mista sugere uma característica do produto a ser fornecido, cuidando-se, portanto, de termo evidentemente sugestivo.

Embora, se por outro lado, se pudesse dizer o mesmo em relação à situação da Apple, que, em 2007, assumiu o risco da utilização de marca mista integrada por um único elemento de evidente caráter evocativo, a expressão “iPhone”, a Corte Superior entendeu que, com o passar do tempo, esse signo adquiriu incontestável distintividade e notoriedade em todo o mundo, de modo que, qualquer consumidor (independentemente de classe social ou nacionalidade) associa essa expressão ao smartphone comercializado pela Apple. Tanto assim o é que, por ocasião do lançamento de modelos novos, os consumidores costumam enfrentar filas enormes e amplamente noticiadas para adquiri-los, fruto do sucesso da estratégia de marketing da Apple que transformou um termo evocativo em signo inconfundível de seu produto.

O reconhecimento desse fenômeno mercadológico, mediante o qual, um sinal fraco (como os de caráter genérico, descritivo ou até evocativo) adquire eficácia distintiva (originariamente inexistente), pelo uso continuado e massivo do produto ou do serviço, doutrinariamente denominado de “teoria do significado secundário da marca” (ou secondary meaning), na forma da norma contida no art. 6 quinquies C. 1 da CUP (Decreto nº 75.572/75), garantiu à Apple o uso exclusivo do termo iPhone, podendo a Gradiente fazer uso, apenas, da expressão “G Gradiente IPHONE” no seu conjunto, mesmo tendo alcançado seu registro anteriormente.

Alexandre do Nascimento Souza
Membro do Conselho Jurídico e Estratégico da ACRJ. Sócio de DNS Advogados; Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ. Pós-Graduado em Direito da Propriedade Intelectual pela PUC/RJ.  Pós-Graduado em Direito de Empresas pela PUC/RJ. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa – Portugal. Membro da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Membro da ABAPI – Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial. Membro da AIPLA – American Intellectual Property Law Association. Membro da ASIPI – Asociación Interamericana de la Propiedad Industrial. Membro da AIPPI – Association Internationale pour la Protéction de la Propriété Industrielle. Membro da INTA – International Trademark Association. Membro da LES – Licensing Executives Society. Membro da LIDC – Ligue Internationale du Droit de la Concurrence. Membro da LAWASIA– The Law Association for Asia and the Pacific.