No dia 10.08.2018, tivemos a honra de fazer uma apresentação junto à Comissão de Assuntos Estratégicos e Jurídicos dessa Instituição secular que é a Associação Comercial do Rio de Janeiro – ACRJ, cujo tema central foi a “Reforma Eleitoral”, com enfoque no financiamento de campanhas eleitorais, muito em função da proibição de as pessoas jurídicas doarem para candidatos e terem tolhidas suas representatividades no Congresso Nacional, o que gerou novas reflexões sobre o tema e motivou a confecção do presente artigo.
Isto porque, a “Reforma” não resolveu uma situação anacrônica e no mínimo desigual em que as empresas nacionais, que geram riqueza, emprego, renda e contribuem para a arrecadação de tributos em larga escala que sustenta os entes federativos e as máquinas públicas de todo o país, em todos os seus níveis – Federal, Estadual e Municipal –, não podem doar às campanhas para ajudar a escolher seus representantes, ao passo que setores ligados às ordens religiosas de todos os cultos e credos, organizações criminosas (tráfico de entorpecentes, de armas, milícias, jogo do bicho, etc.), bem como demais grupos de interesses ilegítimos que não precisam se organizar como pessoas jurídicas, têm um verdadeiro “passe livre” para assim fazê-lo se assim quiserem… E, considerando o que vemos diariamente no noticiário, com certeza querem e estão financiando candidaturas!
Esta controvérsia precisa ser contextualizada na história recente do país, com a proibição das doações empresariais a partir do julgamento no STF da ADIn 4650/DF, em 17.09.2015, que teve como Relator o Ministro Luiz Fux. Desde então, os atores da política vêm tentando encontrar formas de financiar suas campanhas, chegando ao seu auge com a aprovação das Leis 13.487/17 e 13.488/17, que criaram o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas – FEFC (“Fundão”) e outras regras para baratear aquelas.
Vale ressaltar que, além dos fundos públicos, restaram permitidas na legislação outras formas de financiamento.
Todavia, percebe-se que a mais utilizada nas Eleições de 2018 vem sendo o Autofinanciamento, haja vista a falta de cultura da nossa sociedade em doar dinheiro para campanhas eleitorais, bem como os tímidos resultados das “vaquinhas virtuais” (ou “crowdfunding”) apresentados de maio a agosto deste ano, que não alcançaram R$ 3 milhões em todo o Brasil.
São 2 os tipos de Autofinanciamento: o primeiro deles consiste na possibilidade de o candidato poder usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre; o outro decorre de recursos obtidos mediante empréstimo bancário, que, assim como o “crowdfunding”, praticamente não está sendo utilizado pelos candidatos, que preferiram optar pelo 1º. modelo, mais tradicional e operacional.
O Autofinanciamento com recursos próprios sempre existiu na legislação eleitoral, porém sofreu diversas alterações ao longo tempo, ora para coibi-lo, ora para voltar a autorizar o seu uso, tal como na mais recente alteração pela qual o artigo 11 da Lei nº 13.488/2017 revogou o §1º.-A do artigo 23 da Lei nº 9.504/97 – a “Lei das Eleições” –, introduzido pela “mini reforma” trazida pela Lei nº 13.165/15 e que assim dispunha: “O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido nesta lei para o cargo ao qual concorre.”
É a partir deste dispositivo que começa uma discussão interessante: a sua revogação pela Lei nº 13.488 se deu em 06.10.2017, mas foi vetada pelo Presidente Michel Temer. Todavia, na volta do veto para Câmara dos Deputados, ele só veio de ser derrubado em 15.12.2017, gerando um questionamento à sua vigência em virtude do Princípio da Anualidade inscrito no art. 16 da Constituição Federal, segundo o qual “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Àquela altura, já faltava menos de 10 (dez) meses para o 1º. Turno das Eleições de 2018 e assim se instalou a celeuma, que acabou sendo apelidada de “Emenda Dória”
O texto original do projeto de PLC 8612/2017 da Câmara dos Deputados contemplava a revogação do 1º–A do artigo 23 (inserido pela Lei nº 13.165/15), permitindo o autofinanciamento somente até 7% do limite de gastos para os cargos proporcionais e a quantia de R$ 10 mil para os candidatos a cargos majoritários, mas, como tal revogação foi vetada pelo Presidente da República e a derrubada do veto só se deu na última sessão legislativa, prevaleceu a regra da anualidade constitucional e manutenção do Autofinanciamento com recursos próprios do candidato até o limite máximo de gastos eleitorais.
Aqui faz-se um incisivo comentário até mesmo para justificar o título desse artigo: a “Reforma Eleitoral” é tripartite porque teve início no ano passado com as alterações legislativas, passou por esta celeuma do veto presidencial à vedação do Autofinanciamento com recursos próprios, e acabou concluída neste ano com algumas decisões judiciais proferidas pelo STF e pelo TSE.
Diz-se isto porque outros temas eleitorais foram postos a exame do Poder Judiciário, tanto da sua Corte especializada, quanto do STF, já dentro do “ano eleitoral” e mesmo assim suas decisões foram validadas para 2018, a saber: a) julgamento, em 15.03.2018, da ADIn 5617, que teve como Relator o Ministro Edson Facchin e que equiparou a utilização do percentual mínimo de 30% das verbas do Fundo Partidário ao mesmo percentual de candidaturas de gênero (também de 30%); b) julgamento no, em 22.05.2018, da Consulta nº 0600-25.218.2018.6.00.0000, de relatoria da Ministra Rosa Weber no TSE, que possibilitou a utilização do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas – FEFC/“Fundão” no mesmo patamar percentual (30%) que havia sido garantido pela ADIn 5617 em relação ao Fundo Partidário no que diz respeito à cota de gênero.
Mas não parou por aí.
Quanto à Propaganda, a “Reforma Eleitoral” do ano passado buscou cortar custos face à míngua de recursos, mantendo as proibições já existentes de “outdoors”, showmícios e distribuição de brindes, bem como criando outras que geraram a extinção de diversos tipos de engenhos, tais como as placas móveis de rua e as que eram fixadas em residências e até mesmo os carros de som (“trios elétricos” e “mini trios”), que só podem ser utilizados em carreatas e comícios, ficando resumido material publicitário aos panfletos, bandeiras de no máximo 1,5m2, adesivos e cartazes de até 0,5m2, adesivos microperfurados em para-brisas traseiros de veículos.
Daí que se começou a dizer a verdadeira “arena” das Eleições deste ano iria se dar – como realmente está se dando! – na internet, que produz a cada minuto uma enorme variedade de “fake news”, “memes” e outra gama de variações de irregularidades que se valem até de robôs para impulsionar conteúdo de publicidade eleitoral, instrumentos estes que foram expressamente proibidos pela “Reforma” de 2017, mas que, ainda assim, estão dominando as pautas dos TREs Brasil afora e do próprio TSE.
Ainda que não tenha sido perfeita e não tenha resolvido o problema da representatividade empresarial – alijada de escolher seus candidatos, lamentavelmente… –, pode-se concluir que a “Reforma Política” de 2017 deixou alguns bons legados, os quais entendemos como sendo os principais a maior participação feminina e o fim das coligações a partir de 2020 com a consequente redução do número de partidos, já valendo para 2018 a observância gradual dos índices de desempenho, popularmente chamados de “cláusula de barreira”.
No que diz respeito às mulheres, ainda que a PEC 134 não tenha sido votada, as decisões do STF e do TSE tornaram suas candidaturas mais competitivas, pois terão obrigatoriamente maior verba publicitária e, assim, maior “poder de fogo” ao se apresentarem ao eleitorado.
Quanto ao fim das coligações, de se aplaudir de pé a aprovação da PEC 33, que originou a Emenda Constitucional 97/2017 e a alteração do art. 17, §1º. da Constituição, pois já irá provocar a diminuição do número de partidos a partir de 2020!
As estimativas do próprio TSE são de que em 2030 tenhamos não mais que 10 (dez) partidos existindo, o que sem dúvida, será um ganho incomensurável para o aperfeiçoamento da democracia brasileira, que, mesmo diante de tantos problemas e tamanho desgaste da classe política, continua sendo a melhor forma de escolher aqueles que conduzirão os destinos do nosso povo.
Mas que os eleitos para o próximo quadriênio 2019-2022, assim como o Poder Judiciário, entendam pela volta do financiamento empresarial como forma de garantir a efetiva participação de TODOS os setores da sociedade no processo eleitoral e nas decisões políticas, garantidos, obviamente, todos os mecanismos de controle de doações a evitar ilegalidades e a mercantilização de mandatos, o que os brasileiros já deixaram claro não tolerarem mais!
Luiz Fernando S. M. Couto
Professor Aposentado de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
André L. M. Marques
Advogado Eleitoralista e membro das Comissões de Direito Eleitoral e Direito Digital do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB