É preciso avançar na discussão da agenda de reformas institucionais do Estado brasileiro à luz da governança democrática, de forma a se ter uma bússola mais segura na dura e complexa jornada de debates, negociações e formação de coalizões e alianças exigidas em qualquer agenda de reformas dignas desse nome. A agenda de reformas exige a requalificação do debate público, conferindo mais transparência, governança e controle social aos governos.
Para tanto, é necessário incluir no debate e na agenda dos candidatos aos próximos governos estadual e federal propostas objetivas para avançar na transparência, governança e controle social dos governos. Assim, é menos provável que haja retrocesso nos avanços institucionais já obtidos nos últimos 30 anos da Nova República e, se possa a partir daí, avançar ainda mais.
Ao se realizar um balanço do impacto da Constituição de 1988 na construção de uma democracia, é possível afirmar que houve avanços institucionais alcançados. Nesse período, o monitoramento das atividades do governo federal foi aperfeiçoado, o acesso dos brasileiros às informações dos governos e das políticas públicas foi institucionalizado, tornou-se mais direto e ganhou mais amplitude, permitindo se pensar no desenvolvimento de uma verdadeira cultura do acesso às informações públicas.
Mas é fundamental continuar avançando. Até porque não há informações consolidadas ou conclusivas sobre a qualidade das informações recebidas pelos cidadãos, nem sobre o teor das críticas elaboradas pelos próprios cidadãos. É nesse campo que a cultura da transparência precisa avançar mais. Hoje, nem as ONGs, empresas, mídia ou governo atingem níveis satisfatórios de confiança entre os brasileiros. Em geral, os brasileiros suspeitam de suas fontes oficiais, confiam mais nos indivíduos do que nas instituições e acreditam mais nas informações vazadas do que nos comunicados das companhias para a imprensa. Além disso, 80% de todo o pagamento de suborno no mundo de 1999 a 2014 transitou pelas empresas estatais e os níveis de eficiência e desempenho do setor público na América Latina e no Brasil, em especial, estão abaixo da média mundial.
Para se combater esse quadro de desconfiança social, melhorar a eficiência do setor público e retomar a própria agenda de reformas institucionais é urgente que se invista na governança pública. Então, a ideia de governança, entendida em sua acepção clássica como a manutenção da ordem coletiva é redefinida com um modo de regulação baseado em processos e interações entre o Estado e a Sociedade, em bases mais legítimas, numa nova concepção de governança democrática, a fim de enfrentar uma realidade mais complexa.
Nessa nova concepção, o controle social desempenha um papel crucial. A cultura do acesso deve levar a cultura da participação, significa dizer a transparência deve levar ao diálogo entre os representantes da sociedade civil e os governos, permitindo o controle social das informações e conferindo mais legitimidade aos processos decisórios do Estado. A lógica do controle social só é possível quando a informação tornada transparente é capaz de se converter instrumento de ação do cidadão ou da sociedade em geral, ao fiscalizar as ações dos governos.
Nessa linha, a ACRJ, propôs uma Agenda Positiva de Governança Pública, cujas propostas podem servir aos candidatos a cargos públicos para requalificar o debate público. No campo da transparência, recomendam-se medidas para facilitar o acesso, leitura e debate das peças orçamentárias, projetos de lei e demonstrativos financeiros via audiências públicas virtuais e presenciais, em diversos auditórios; a divulgação dos dados e das informações de custeio do governo e das compras públicas devem ser unificadas e comparáveis numa plataforma inteligível e amigável; e essas informações devem ser atualizadas no menor espaço de tempo possível e; as respostas às consultas dos cidadãos e das empresas sobre os governos seus órgãos e suas políticas públicas devem ser passíveis de uma auditoria social independente e devem ter metas de qualidade a serem atingidas ao longo do tempo.
Humberto Mota Filho
Presidente do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da ACRJ