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Ética e Cultura

Ética e Cultura

Considerado fundador da República de Roma, Brutus – o cônsul, não o filho adotivo que traiu Júlio César – não hesitou em aplicar a lei e mandar dois filhos à morte, por terem conspirado contra o regime de governo que substituíra a monarquia ditatorial. Séculos mais tarde, às portas da Revolução Francesa e a pretexto de engrossar as críticas ao poder absolutista de Luiz XIV, Jacques-Louis David retratou a cena em que Brutus recebe os corpos dos filhos, em obra que pode ser vista no Louvre.

Como ensina o Professor Renato Janine Ribeiro, mais do que heroico, o ato de Brutus foi ético, no sentido amplo da palavra. Ele entendia que a lei era o paradigma do bem comum e precisava ser aplicada, não obstante seu interesse individual de preservar a vida dos filhos. No pensamento aristotélico, é, pois, a ética que leva os indivíduos a conviverem em sociedade, na polis, permitindo a consecução do bem maior de todos os homens, qual seja, a felicidade.

A realidade brasileira se impõe com toda a sua brutal crise de valores, e, sobretudo, de representatividade e de liderança. A perda da noção de princípios e da prevalência do bem comum lembra a nação que Lima Barreto ironizava, com verve e inteligência, no começo do século passado.

Com a pena afiada, o genial autor descrevia, em “Os Bruzundangas”, uma república fictícia, que vivia “aos solavancos”. Sobre seus políticos, decretava: “São o pessoal mais medíocre que há. (…) A primeira coisa que um político de lá pensa, quando se guinda às altas posições, é supor que é de carne e sangue diferentes do resto da população.”

Deve-se evitar, evidente, todo e qualquer tipo de generalização, por distorcida que é, na maior parte das vezes, a conclusão que dela surge. Mas a literatura militante de Lima Barreto nos leva à reflexão de que muito ainda temos por avançar nas práticas políticas brasileiras, que pouco evoluíram desde o início do século XX. Boa parte da classe política brasileira, definitivamente, não bebeu da fonte de Aristóteles. E segue seu caminho de defesa de interesses mesquinhos e estritamente pessoais, inclusive no que se refere à seu projeto de perpetuação de poder.

Ao analisarmos esse cenário pouco promissor, devemos pensar o indispensável papel da cultura na construção do comportamento ético que nosso país busca de forma quase desesperada.

Quando se investe em cultura, valoriza-se a identidade, a trajetória e o próprio papel da coletividade no mundo. Fomenta-se, assim, as próprias relações de solidariedade e, nesse sentido, acaba por se fortalecer o arcabouço maior e comum que é a busca do interesse de todos.

Não há como avançar sem que sejamos capazes de refletir sobre nosso país enquanto projeto civilizatório, com todas suas contradições, exclusões, frustrações e, claro, avanços. E sem entendermos o lugar do conjunto de experiências sensoriais, estéticas, e identitárias que forjamos ao longo de nossa história, o que conhecemos em conjunto como cultura, a análise fica não distorcida e fora de lugar.

É precisamente esse conjunto e todas as imbrincadas relações que existem nele é que nos tornam únicos enquanto povo. E é a partir dele que deve partir nossa reflexão quanto ao futuro que desejamos construir. Apenas no momento em que nos entendemos e vemos como nação, algo que só a cultura nos possibilita, é que conseguimos construir um projeto de país. Um projeto de país coeso, verdadeiro e ético.

Marcelo Calero
Ex-Ministro e Conselheiro da ACRJ