Artigos de Opinião

Saída pelo Atlântico ou Pacífico? Eis a questão

Saída pelo Atlântico ou Pacífico? Eis a questão

Por Fernando Cariola Travassos, membro dos Conselhos Empresariais de Políticas Econômicas e de Assuntos Jurídicos e Estratégicos da ACRJ

Considerações geopolíticas, há muito tempo, consideram o Oceano Atlântico um grande rio margeado pelas Américas e por Europa e África. Tal “rio” explica, em parte, o maior desenvolvimento do comércio exterior dos países da costa atlântica Sul-Americana, comparativamente aos da costa do Pacífico, no período entre os séculos XVIII e XX.

O desenvolvimento econômico recente dos países asiáticos, notadamente da China, tem colocado o Oceano Pacífico em destaque, cogitando-se a exportação de grãos do Brasil para a China via Porto de Chankay na costa peruana, cuja primeira fase foi inaugurada recentemente em novembro de 2024. Para tal, cogita-se uma ferrovia que escoasse pelo menos os grãos produzidos no Centro Oeste brasileiro até a costa do Peru, atravessando a Cordilheira dos Andes. Um investimento que competiria com a melhoria de acesso aos diversos portos na costa brasileira. Na realidade, vislumbra-se um trecho ainda maior, da costa atlântica até o Pacífico.

O argumento central dos defensores da saída pelo Pacífico, em relação à saída pelo Atlântico, é o de encurtamento das distâncias náuticas aos mercados asiáticos. No entanto, trata-se de uma ilusão, induzida pela imagem dos Mapas Mundi como normalmente os vemos na projeção de Robinson. O Oceano Pacífico é vastíssimo, comumente dividido em duas partes laterais. De fato, um simples exame das distâncias angulares entre meridianos demonstra que a navegação de Santos a Xangai vence 168 graus de longitude indo pelo Atlântico via Cabo da Boa Esperança. A navegação entre o Porto de Chankay até o de Xangai atravessa 161 graus de longitude pelo oceano Pacífico.

 Trata-se, portando, de uma redução de 4%, aproximadamente, em longitudes, uma indicação de que a diferença em distâncias náuticas não deve ser significativa. A discrepância em milhas náuticas é maior, devido a alterações de latitude e aos desvios de rumo, principalmente na rota via oceanos Atlântico e Índico. A distância entre Santos e Xangai, num percurso médio, é de 11.000 milhas náuticas contra 9.400 milhas náuticas entre Chankay e Xangai – cerca de 15% inferior.  Considerando-se que o custo apenas do transporte marítimo não ultrapassa 10% do custo total dos grãos disponibilizados no porto chinês, ter-se-ia uma economia de 1,5% de custo pelo Pacífico, ambas as cargas, comparativamente, partindo dos referidos portos em direção a Xangai – sem computar-se as despesas de acesso por terra.

Outro mito sobre a saída pelo Pacífico refere-se à costa chilena. A rota entre os portos de Paranaguá e Xangai, pelo Cabo da Boa Esperança, é de 11.000 milhas náuticas. A distância entre os portos de Arica no Chile e Xangai é de cerca de 10.000 milhas náuticas, ou seja, um encurtamento de menos de 10%, representando, no máximo, 1% de redução de custo do produto deixado no porto chinês.

A saída pelo Oceano Atlântico, ao contrário da saída pelo Pacífico, possibilita, ao longo do curso, várias oportunidades de fretes de retorno, principalmente se utilizados contêiners, bem como de eventuais reparos nos diversos estaleiros nas costas de Índia e Indonésia.

 O Brasil tem portos importantes como São Francisco (SC), Paranaguá (PR), Santos (SP), Rio de Janeiro, Itaguaí e Açu (RJ), complexo Tubarão/Praia Mole (ES), Salvador e Aratu (BA), Suape (PE), Mucuripe e Pecem (CE), São Luís / Ponta da Madeira / Itaqui (MA), Vila do Conde/Barcarena (PA), na costa Atlântica, além de inúmeros portos fluviais na Bacia Amazônica que servem ao transporte interno de grãos. A empresa chinesa Cofco completou em 2024 investimento de R$ 2,8 bilhões no porto de Santos – o maior da América Latina. O grupo chinês CMPort detém 90% do TCP – Terminal de Contêiners de Paranaguá, o maior da América do Sul.

A distância entre o “hub” do complexo produtor de soja Sorriso/Sinop (MT) e a costa peruana seria de 4.000 km em linha férrea, parte da qual pela cordilheira dos Andes. Com um custo médio de R$ 12 milhões / km, tal empreendimento montaria cerca de R$ 48 bilhões, sem contar-se atrasos e intercorrências inevitáveis num trajeto ermo e acidentado, além de interferências ambientais. Por outro lado, a distância entre Sorriso/Sinop e o porto de Santos, apenas como exemplo, é de 1.970 km em terreno mais plano e já acessado por rodovias. A produção de grãos do cerrado mato-grossense tem sido escoada através da Ferrovia Norte Sul e da Vale (Carajás) até o Porto de Itaqui e Ponta da Madeira no Maranhão. De lá segue pelo Atlântico e Cabo da Boa Esperança até a China, assim como os navios da Vale com os Valemax   transportando minério de ferro de Carajás. A alternativa via Canal de Panamá aumenta a distância, além da incerteza gerada por filas e alterações de preços de travessia.

Há também argumentos favoráveis à referida ferrovia baseados no desenvolvimento regional ao longo da linha. Entretanto, o processo de desenvolvimento regional deve ser paulatino, mediante projetos rentáveis a médio prazo, atraindo empresários, trabalhadores e suas famílias que tenham a intenção de residir na região num futuro próximo. A linha férrea em questão, em lugar tão ermo, iria atrair milhares de trabalhadores solitários e aventureiros, em condições precárias, acampados, atraindo toda sorte de fornecedores de produtos e serviços ilícitos, trazendo problemas sociais imprevisíveis e irreversíveis. O Brasil já vivenciou essas experiências no passado e não deveria repeti-las, como a construção da Transamazônica e exploração de Serra Pelada, iniciativas eleitoreiras com resultados negativos.

Em conclusão, mesmo levando-se em consideração os argumentos de integração Sul-Americana e das empresas de Engenharia, ávidas por obras de grande porte, além do apelo populista do assunto, tais empreendimentos ferroviários de ligação com a costa do Pacífico ferem a racionalidade econômica, para o Brasil. Outras formas de integração teriam viabilidade econômica como em redes de telecomunicações, de energia elétrica, turismo, cultura, ampliação de aeroportos e de estradas de rodagem em zonas de fronteira.

O Porto de Chankay terá sua viabilidade assegurada através das exportações de minérios e produção agropecuária de Chile, Peru, Equador e Colômbia. Exportações brasileiras pontuais, originadas perto da fronteira, poderão ocorrer, por exemplo, através da ligação rodoviária de 1.800 km, transpondo os Andes, entre Rio Branco no Acre e Porto de Marcona no Peru.

A redução de custo das exportações brasileiras virá de forma mais significativa, racional e rentável, para o País, através do escoamento de grãos por via ferroviária para os já bem equipados portos brasileiros; estes em processo de contínua expansão e modernização, através dos atuais investimentos privados nacionais e estrangeiros, notadamente chineses, prova da viabilidade da saída pelo Oceano Atlântico. Tais investimentos ferroviários complementarão trechos já existentes, numa significativa economia de recursos. Além disso tem-se o domínio do Direito Brasileiro nas questões trabalhistas, fundiárias, de meio ambiente e de povos originários, bem como nas concessões via PPPs, por exemplo, das regiões produtoras aos portos. Nesse contexto, as ofertas de Financiamento Externo e Investimento Estrangeiro Direto serão bem-vindas. O Brasil precisa otimizar a utilização de escasso capital disponível, sem devaneios, para almejar sair da armadilha de renda média em que se encontra, num futuro próximo.

Fernando Travassos é engenheiro e advogado,
doutor em Economia (USP), aposentado do BNDES