Por Reinaldo Paes Barreto, membro do Conselho Empresarial de Cultura da ACRJ
O ciclo do vinho, da parreira à taça do consumidor, está em trânsito para um quarto realinhamento com o seu (nosso) tempo. O primeiro, foi a saída das ânforas para a garrafa de 75º ml, com rolhas de cortiça; o segundo, o pulo verde para a produção de vinhos orgânicos; o terceiro, um audacioso passo ecológico: a produção de biodinâmicos. Este quarto movimento já está em curso e consiste em conectar objetivos interdependentes da cadeia produtiva, de forma a reformular o impacto ambiental produzido pela presença da vinha e do vinho na higiene ambiental.
No vinhedo, por exemplo, cada vez mais o agroempreendedor conectado passou a praticar a chamada “Agricultura de Precisão”, que consiste no geoapeamento do parreiral por fileira, no rastreamento genético das uvas e, sobretudo, na redução de defensivos químicos com a utilização do TPC (ThermalPestControl). Além de zelar pelo rígido controle do desperdício hídrico e da gestão de resíduos. E caminhamos para a exigência de certificados de carbono neutro, obtidos por meio de projetos de reflorestamento e/ou pela implementação de tecnologias limpas, como a que recorre à energia eólica ou solar.
Vejamos, na sequência, o produto semifinal e os seus complementos: a garrafa de vidro, a rolha e o rótulo. Eles entraram com pesos diferentes no elenco dos atuais vilões do meio ambiente. Só a garrafa no padrão atual, por exemplo, representa cerca de 2/3 da chamada “pegada do carbono”, a métrica que contabiliza a emissão de gases de feito estufa na atmosfera. E isso porque o seu transporte em caminhões ou assemelhados, que é o mais comum e barato, aumenta a presença de dióxido de carbono nas ruas e estradas.
Soluções já testadas: no vidro, a utilização de garrafas pesando 300 a 400g, no máximo, em vez das garrafas de 600 a 900, atualmente em circulação. Ou a utilização de outros materiais, como as embalagens em “bag-in-box” de um e até três litros de vinho. E, na opção mais descolada, conceitualmente dirigida aos “millennials” e à geração Z, vem o vinho em lata, lançado no eixo Rio-SP em 2019.
Como vedação, há pelo menos três outros tipos de rolha, menos pesadas que as tradicionais. As rolhas de aglomerado de cortiça, as rolhas sintéticas e as rolhas de rosca, em inglês “screw-caps”, que pelo menos para o vinho são isentas do risco de contaminação por fungos e bactérias.
O futuro próximo: as garrafas pets biodegradáveis, com materiais recicláveis e reciclados na embalagem e nos rótulos, que são impressos com tintas à base de água e com um design mais despojado, com menos camadas de tinta, lettering minimalista, etc.
Detalhe: Obviamente não estamos incluindo os “vinhaços” de três e mais dígitos cada – em dólares – nessa reciclagem ecológica. Eles terão que ser repensados com outras réguas.
Resta o último elo: o consumidor final. Na pessoa física, além de se beneficiar dos avanços tecnológicos, como o controle de suas adegas à distância (via smartphones), dos pagamentos digitais por criptomoedase ou pix, das dezenas de sites e links com informações que incluem a certificação ambiental e a novidade dos chatbots (abreviação de robô dos chats), espécie de “personal sommelier” que ajudam o cliente menos entendido a fazer a escolha que melhor lhe convém ao bolso e à boca, ele terá que estar mais atento à correção do fabricante e distribuidor.
Já para o comprador de grandes volumes, seja o atacadista seja o megacolecionador, há também uma novidade relevante: o controle de falsificações pelo acesso ao blockchain. Isto é, um código inserido no contrarrótulo do vinho que permite verificar se a garrafa e o lote são verdadeiros, se a procedência coincide com a origem geográfica escolhida (DOs), com a safra indicada, etc.
O que falta? Um pacto social de todo o universo do vinho, com maior atenção às famílias e às comunidades do entorno, aí incluída uma política de respeito aos salários e condições de trabalho, vale dizer aos direitos trabalhistas na sua amplitude para todos os “operários do vinho”. Só assim poderemos assegurar a presença eterna, porque sadia e economicamente relevante desse produto bíblico – o vinho — que junto com o linho, o trigo e a azeitona nunca estiveram distantes da marcha humana nestes últimos cinco séculos. Mas, há que agirmos com determinação e coragem, porque milagre, só o da água para o vinho nas Bodas de Canaã…
Reinaldo Paes Barreto é assessor da diretoria do INPI e colunista amador de enogastronomia há 40 anos.