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Getúlio, há 70 anos…

Palácio do Catete, hoje Museu da República
Palácio do Catete, hoje Museu da República

Getúlio, há 70 anos…

Por Reinaldo Paes Barreto – membro do Conselho Empresarial de Cultura da ACRJ

Às 8h05 do dia 24 de agosto de 1954, Getúlio saiu do quarto de pijama (bordô) e desceu até seu gabinete, no 2º andar do Palácio do Catete. Logo depois, e como fazia todas as manhãs, o barbeiro Barbosa entrou nesse quarto (3º andar) para fazer a barba do presidente, mas não o encontrou. Às 8:26 o Getúlio voltou para os seus aposentos com a Carta-Testamento no bolso. Sentou-se na cama, apontou o revólver contra o coração e puxou o gatilho. O Lutero, seu filho, foi o primeiro a entrar, seguido de Dona Darcy, do médico Flávio Miguez de Mello e da Alzirinha, a filha querida e companheira de todas as horas. Getúlio estava com meio corpo para fora da cama, o revólver Colt calibre 32 perto da mão direita, agonizante. Morreu alguns minutos depois.

Quarto de Gétulio Vargas no Palácio do Catete

A crise vinha num crescendo desde o início do segundo mandato, mas se agravou em agosto. No dia 5, o jornalista Carlos Lacerda estava chegando na portaria do prédio onde residia, na Rua Tonelero nº 180, em Copacabana, tarde da noite, acompanhado do Major da Aeronáutica Rubens Vaz, encarregado de lhe dar proteção. Ambos saltaram do carro e ficaram conversando na calçada por alguns minutos, quando o pistoleiro de aluguel Alcino João do Nascimento, a mando direto do chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato – o anjo negro – e a mando indireto de alguém bem mais em cima, esse alguém muito próximo ao Getúlio, saiu de sua tocaia no escuro e fez vários disparos com uma arma 45mm. Mas errou o alvo e acertou primeiro o peito do Major Vaz, que caiu morto na hora, ao lado do carr

Um outro tiro acertou o pé do Lacerda que, mesmo com o pé engessado, saiu depois dos primeiros curativos, apoiado por outros oficiais e já de madrugada, foi para a Rádio Mayrink Veiga onde pronunciou um candente e incendiário discurso: “… esta noite uma mulher vai se deitar e a seu lado não está mais o seu marido. Por quê? A vida cessou em seu ciclo natural? Não, não. Não. Porque ele foi assassinado por sicários pagos pelo Palácio do Catete…”

Getúlio governou o Brasil por 19 anos, mas o getulismo durou meio século. Era um homem do seu tempo e origem. Ateu, positivista, tinha um temperamento frio e controlado, e não gostava de intimidades. Chamava a todos de doutor e senhor; nunca falou com ninguém ao telefone. Embora de baixa estatura física, tinha um magnetismo pessoal contagiante. E foi um patriota a seu modo.  Amado por multidões de várias gerações. “Fazia política de esquerda, com a mão direita, como o definiu o escritor austríaco-judeu Stefan Zweig. E embora gaúcho do pampa, e da fronteira com a Argentina, tinha o espírito tropical, típico das pessoas do litoral. Foi o primeiro presidente a vestir terno branco, dar gargalhada em público, ir ao teatro-revista assistir peças que o ironizavam. 

O Brasil ficou com os nervos à flor da pele. Em 12 de agosto, Getúlio aceitou um convite do então governador de Minas e político em ascensão, Juscelino Kubistchek, e embarcou em um C-47 da FAB para BH, a fim de inaugurar a Usina Siderúrgica Mannesmann. Lá, fez um duro discurso denunciando “os que espalham o gérmen da discórdia para levar o país à desordem, ao caos e à anarquia”. Era um recado para a feroz oposição que lhe fazia a UDN, especialmente a chamada “banda de música”: Afonso Arinos, Adauto Cardoso, Bilac Pinto e, claro, o líder Carlos Lacerda, que nesse mesmo dia 12, pela manhã, foi à Aeronáutica reconhecer mais um dos que participaram do atentado contra a sua vida. Tudo fartamente noticiado pelo seu jornal a Tribuna da Imprensa.

JK no velório do Getúlio. Uma estrela
em ascensão
 

E o mais importante para um estadista: tinha o instinto (não havia “coachs” naquele tempo!) da comunicação e do marketing pessoal. Andava a pé pelas ruas do Rio e de Petrópolis; veraneava e fazia “estações de água”. E usou o microfone das rádios e em solenidades, como nenhum outro, antes (‘trabalhaaaadores do Brasillll). Fez apenas uma ou duas viagens ao exterior, mas correu todo o país, e foi ao Brasil Central – o primeiro presidente a visitar os povos originários – donde, meio que para puxar saco, meio porque já nascia um movimento de curiosidade pela nossa etnia, virou moda os prédios de Copacabana se chamarem Itahy, Piragibe, Marajoara e outros nomes indígenas. 

Getúlio exerceu o poder com paixão. Apreciava certos ritos: carro com batedores, a volta triunfante no Estádio de São Januário nos Primeiro de Maio, sorrindo e acenando com a mão em concha para o povo; gostava de ser chamado de excelência. Mas nunca se interessou pelos luxos: vinhos caros, presentes nababescos, gastos pessoais. Tanto que os móveis do seu quarto no Catete eram de uma “pobreza” monástica. E a maioria de suas noites (noves fora Virgínia Lane na primeira fase), eram de leitura, papo com um ou outro velho amigo em torno de um chimarrão e, no último mandato (1950-54), às vezes longas partidas de paciência, muita insônia e um vago espiritismo.

Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História…” – Getúlio Vargas

Fotos: Site do Museu da República

Reinaldo Paes Barreto também é
assessor da diretoria executiva do INPI