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Os dilemas e paradoxos de uma inteligência artificial regulamentada

Os dilemas e paradoxos de uma inteligência artificial regulamentada

Por Josier Vilar e Julio Urdangarin. Artigo publicado do Diário do Rio

Na década de 1980 o então governo brasileiro criou a “reserva de mercado”, uma lei que impedia a incorporação tecnológica produzida no exterior, pensando que, assim, incentivaria a indústria nacional de tecnologia a se desenvolver.

Foi um tiro n’água. Atrasou o desenvolvimento tecnológico e provocou a perda de competitividade nas indústrias brasileiras por décadas.

Felizmente, sete anos depois, o país reconheceu o erro e abriu o mercado para as inovações tecnológicas serem incorporadas.

Hoje o mundo digital é outro. A batalha final entre o software e o hardware já terminou.

Os guerreiros comandantes Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg e Larry Page lideraram a incontestável vitória dos softwares.

Criatividade e inovação passaram a ser transnacionais e sem a obrigatoriedade de indústrias fabris locais.

Eles criaram um novo mundo da atividade inovadora e disruptiva, olhando o hoje e pensando o amanhã, sem censura, sem limites e sem fronteiras.

Esses são os dilemas e paradoxos que teremos de enfrentar ao desejar disciplinar a inteligência artificial no Brasil.

O Projeto de Lei 2338/2023, apresentado pelo Senador Rodrigo Pacheco, contempla uma série de disposições detalhadas sobre a regulação do uso de sistemas de inteligência artificial (IA) no Brasil, que revelam avanços positivos como uma Regulação Abrangente e Princípios de Proteção que buscam estabelecer normas claras para o desenvolvimento, implementação e uso de sistemas de IA, com foco na proteção dos direitos fundamentais e na segurança dos sistemas, fortalecendo assim um ambiente de confiança para empresas e consumidores.

Além disso, o PL prevê o fomento à inovação e ao desenvolvimento tecnológico ao incluir dispositivos que promovem a pesquisa.

Os direitos dos cidadãos também estão previstos no PL ao adotar práticas robustas de governança baseadas na LGPD, na segurança dos dados e no entendimento e questionamento das decisões automatizadas.

Entretanto, os benefícios previstos podem ser insuficientes para superar as imensas barreiras que estão sendo construídas pelo PL, especialmente para as criativas e jovens startups e pequenas empresas de tecnologia que não possuem os recursos financeiros necessários para o cumprimento das rígidas regras documentais de governança.

Ademais, as complexas exigências regulatórias previstas no PL praticamente demandarão recursos humanos e financeiros que a maior parte das pequenas empresas não dispõem.

Setores inovadores requerem flexibilidade operacional e capacidade rápida de adaptação para testarem seus modelos, e a Inteligência Artificial, com sua veloz transformação e evolução, pode ser tolhida se a legislação brasileira for incapaz de acompanhar essas mudanças.

Regulações muito rígidas para tecnologias emergentes podem ser um perigoso fator de inibição para o desenvolvimento e a criatividade nacionais, colocando nossas jovens empresas inovadoras em desvantagem competitiva frente às grandes empresas internacionais de desenvolvimento tecnológico.

Necessitamos sim de uma regulamentação que nos proteja do mal-uso da IA. Só não podemos, por conta dela, reprimir a força criativa de milhares de empresas jovens que querem mostrar seu valor para a sociedade.

Não podemos condenar o uso pelo abuso.

Publicado originalmente no Diário do Rio

Josier Vilar, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro
Julio Urdangarin, presidente do Conselho de Inovação, Transformação Digital e Tecnologia da ACRJ