Por Ricardo Cravo Albin (*)
“O maior problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e os idiotas cheios de certezas” (Bertrand Russel, um dos fundadores do Pen Clube Internacional).
Valho-me do título da obra-prima de Ingmar Bergman, contextualizando gritos e sussurros, para apontar algumas observações sobre o 2º turno do domingo. Começo por discordar da afirmação de que esta eleição foi vitória de uma democracia não radicalizada. Não para quem assistiu aos gritos de explícita grosseria de Crivella no Rio, insistindo em chamar mil vezes seu concorrente Paes de ladrão, usando a velha tática de Goebbels, “uma mentira repetida mil vezes acaba por virar verdade”. Outro grito vergonhoso foi o esgarçamento familiar no Recife entre os primos Marília e João, que enxovalharam a memória de Miguel Arraes, arrastando, a meu ver, a ilustre matriarca Magdalena, dama da mais alta estirpe de quem me fiz amigo quando exilada em Paris. Uma lástima e uma surpresa jamais vistas pelas famílias tradicionais do Brasil.
Cabe um parêntese à timidez da maioria dos candidatos ao se referirem à tragédia da pandemia. Sabíamos que a Grande Peste a abrir a década de 2020, e mesmo o século XXI, elegeria ou recusaria prefeitos candidatos à reeleição. O exato caso de Crivella que, apadrinhado pelo autor do negativismo explícito “é apenas uma gripezinha”, tingiu-se de culpabilidade. Além de contrariar medidas de segurança sanitária, como o seu descuidado padrinho presidencial, a quem bajulava a ponto de ousar se declarar contra lockdowns, pela abertura de escolas, bares, cinemas e até campos de futebol. Teve que arcar com impopularidade recorde provocada por absurdos. Incluindo, é claro, a ausência de gestão e atos erráticos ao longo do mandato. Além de adotar o que havia jurado não fazer ao se eleger, exercitar gestão em benefício de sua Igreja Universal do Reino de Deus, fato que rendeu ao colunista Ancelmo Gois frase definidora “O Bispo Macedo e o missionário R. R. Soares, ao apoiarem Crivella, sobrinho dos dois, viraram sócios da ruína política do prefeito. É o preço pelo hábito desses clérigos em juntar política com religião, mistura tóxica que nunca deu certo.” O que é fartamente atestado pela sobriedade da Igreja Católica. Cujo Pontífice Francisco e mesmo nosso Arcebispo Dom Orani jamais admitiram interferência política, muito menos bancadas de parlamentares e negócios com televisões e emissoras de rádio comerciais, a concorrer com iniciativa privada. Carapuça, de resto, a se imputar ao Capitão, batizado no Rio Jordão pelo agora preso Pastor Everaldo, além de defender isenção imoral de impostos para centenas de igrejas neopentecostais.
Voltando ao nosso Rio, Eduardo Paes venceu por uma margem assombrosa de votos apenas pela lembrança política de sua gestão anterior, exatamente a causa do fiasco de Crivella nesses quatro anos. Além do apoio que recebeu de seu padrinho presidencial, o grande derrotado neste segundo turno. Sou forçado a acreditar, como a maioria, que o acúmulo de erros de pura gestão estão a afundar a administração federal. O pior: até parece que o Presidente não sabe lidar com o exercício da arte sutil de fazer política. O que nos dá prova o absurdo de endossar constantes tolices e malfeitos de ministros, como os inaceitáveis do Meio Ambiente e do Itamaraty. Até mesmo de alguns de seus “zeros”, como o insulto diplomático imposto pelo filho-senador ao nosso principal parceiro econômico, a China.
Uma amiga do BID, a quem cito aqui com alguma frequência pela paixão que devota ao Brasil, me telefonou ontem preocupada com a velocidade da queda de prestígio do nosso Presidente. E para meu constrangimento, grita-me pelo telefone – Mourão já. A seguir sussurra maliciosamente – uma pena, os olhos azuis do Capitão me farão falta… Ela me confidenciou não ter acreditado no que escreveu Mandetta no livro “Um paciente chamado Brasil”, ao atribuir a Bolsonaro a loucura de ter declarado que o Embaixador chinês queria derrubá-lo, bem como os Presidentes Macri e Pinera, pulverizando a direita na América do Sul. Absurdo insustentável.
Voltando a Eduardo Paes e a seu apenas semi-esboçado governo, cabe apontar escolhas acertadas como o Deputado Marcílio Calero, que lutou contra a corrupção em Brasília, ou o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, a quem caberá rever, esperamos, o projeto dos puxadinhos do Crivella, insolente intervenção a satisfazer à especulação imobiliária. Paes também assegurou solicitar ao Presidente um mínimo de 450 mil testes não utilizados pelo Ministério da Saúde, além de reabrir já e já 1.500 leitos na Cidade para este 2º ciclo da pandemia. Embora admita, grave erro, a descartar lockdown neste estado emergencial em que mergulhamos.
Os assessores já anunciados por Paes deverão tratar a cidade aos sussurros de carinhos e mesuras. E jamais aos gritos estridentes de mal gestor.
(*) Benemérito e presidente honorário do Conselho Empresarial de Assuntos Culturais da ACRJ