Artigo do vice-presidente do Conselho Empresarial de Assuntos Culturais da ACRJ, Reinaldo Paes Barreto.
Todos os substantivos do vinho são femininos: a vinha, a vindima, a uva, a colheita, a safra, a adega, a garrafa, a taça … a exceção ficou para o substantivo que designa o produto final.
Uma premonição de Baco para celebrar o 8 de março?
Talvez. O que não deveria surpreender o planeta masculino se este tivesse em mente – sempre – que toda mulher veio ao mundo para “cumprir” um mantra: não me ensine que eu aprendo.
E aprenderam — com os homens! Haja vista que as quatro mulheres que se tonaram referência mundial nos séculos passados no mundo do vinho, foram viúvas de …vinhateiros.
A primeira, na segunda metade do século 18, foi a Veuve Clicquot, uma jovem francesa do interior cujo marido morreu quando ela tinha 27 anos. Pois em menos de dois anos ela não só assumiu o comando da vinícola, como converteu o seu produto – o champagne – na bebida da celebração, do amor, do poder, do charme, do dinheiro e da ereção… (tanto que se levanta a taça para brindar!)
E do triunfo! Pergunto: alguém já viu alguém derrotado, traído ou na fossa, beber champagne?
Continuando… e para turbinar as vendas do seu emblemático espumante champenois , Mme. Ponsardin se transformou numa máquina de negócios: comandou pessoalmente a primeira exportação de centenas de caixas para o Czar da Rússia, que gostou e encomendou outras centenas de caixas. E, no embalo, exportou para todo o ocidente com potencial de compra — inclusive para o Brasil. Em 1826 chegaram ao Rio de janeiro as primeiras garrafas de Veuve Clicquot, encomendadas por carta escrita de próprio punho pelo imperador D. Pedro I.
E até hoje ele (em francês champagne é masculino) está estrategicamente presente nos pontos de circulação com potencial de compra e consumo.
Detalhe: Nicole Barbe- Ponsardin (a Veuve Ckicquot) morreu em 29 de Julho de 1866, aos 89 anos, deixando uma das marcas mais famosas do segmento.
Na sequência cronológica, interrompe-se o ciclo francês e entra a brava portuguesa, D. Antónia Adelaide Ferreira (1811-1896), nascida e criada na Régua.
O que é o destino! Dona Antónia (1811-1896) naufragou num rabelo (aquelas barcaças que singram o Rio Douro) junto com o marido – só que ele morreu e ela sobreviveu graças às sete saias, que lhe serviram de boia. Mas não se salvou sozinha: salvou o vinho do Porto e os parreirais que escalam aquela paisagem bíblica! Porque assumiu o comando da Casa Ferreirinha e durante o ataque da phyloxera, “o fungo assassino” que devastou as vinhas do Douro, pagou do bolso durante anos a sobrevivência/manutenção dos seus empregados da vinha, até que a ciência dominou a praga e a vinícola pode voltar a colher a uva sadia, para produzir o vinho fortificado e os excelentes vinhos de mesa que produz e exporta até hoje.
Voltemos à França e aos últimos dois casos emblemáticos do século 19 e quase final do 20.
A terceira viúva, Louise Pommery (1819-1890), promoveu a primeira pesquisa de opinião com os consumidores de seu champagne e constatou que o público masculino – o grande comprador – sobretudo os ingleses, preferiam bebidas secas (à exceção do Porto). Desenvolveu, então, o primeiro champagne brut. E para diferenciar a marca mundo afora, convidou artistas plásticos para desenhar os seus rótulos. Criou, também, caves subterrâneas, hoje 18kms percorridos por milhares de enoturistas que visitam a vinícola, anualmente, em Reims.
A última da série, a última viúva, a midiática Elizabethy Bollinger (1899-1977), a Lily, que enfrentou duas grandes guerras (a segunda já à frente da sua Maison) e fez do seu champagne um ponto de equilíbrio entre a tradição e a modernidade. Ela passeava de bicicleta diariamente pelos seus vinhedos – mas sempre muito bem composta – e tornou-se ela e o seu champagne “peronagens” de revistas e jornais. E mais: os champagnes safrados Grand Année recebem desde a Raínha Victoria o “by appointment” da Família Real inglesa e borbulhou nas taças do James Bond em alguns dos seus filmes.
Parênteses: dá para “concluir” que o champagne é também um elixir da longa vida? Vejam que todas morreram com mais de 70 anos, em outros tempos!
Bom, e hoje? Hoje, a mulher é uma consumidora exigente, conhecedora do que quer – e do que não quer – mas, e sobretudo, uma aliada na luta pela qualidade do circuito do vinho: o produto certo, o preço justo, o jogo limpo. Sim! e graças a elas temos o “by the glass”, porque foi graças à moderação feminina que os bares, os restaurantes, supermercados chiques, etc, bolaram a degustação nesse formato.
E, na outra ponta, as mulheres operam com a habitual eficácia que lhes é característica o mercado do vinho, atuando como enólogas, sommelières, jornalistas especializadas, autoras de colunas, blogs, livros, sites, confrarias (só delas) e… donas de vinícolas. Além de excelentes “cúmplices” (ah! cherchez la femme!) nas degustações, lançamentos, viagens enológicas, harmonizações e aonde mais seja.
Por isso, a nossa homenagem e a nossa comovida saudação à MULHER. E uma prece para que Baco nunca as desampare — nem a nós!