No dia 07 de agosto, o Ministério de Minas e Energia apresentou diagnóstico de 110 dias do Grupo de Trabalho para a Modernização do Setor Elétrico. Um dos destaques abordados é a racionalização de encargos e subsídios, tema que ocupa o topo da agenda de preocupações no setor elétrico.
Os consumidores de energia elétrica pagam elevados encargos a fim de financiar as políticas distributivas dentro e fora do setor. Em 2017, encargos e tributos respondiam por quase 50% das despesas com eletricidade. O maior deles é a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Criada em 2002, a Conta passou a centralizar vários desses encargos em 2012, suportando acesso universal à eletricidade, benefícios a irrigantes, aquicultores, subsídios para usuários de baixa renda, subsídios para geração a carvão mineral, fontes renováveis, dentre outros. Nesse esteio, as despesas com a CDE crescem exponencialmente.
Em 2013, as despesas da CDE totalizaram R$ 14,1 bilhões, enquanto em 2018 elas somaram R$ 19,5 bilhões, correspondendo a uma variação de 38%. O diagnóstico é de que não há estratégia de mitigação ou preparação para saída: uma vez implantadas as medidas, os benefícios se eternizam. Ademais, são pouco focados, não raro produzindo impactos regressivos, com transferências de recursos que favorecem grupos de mais alta renda e/ou regiões mais desenvolvidas. E os recipientes podem acumular benefícios, desde que seja atendido o critério de inclusão.
Diversas iniciativas têm sido tomadas para racionalizar e aumentar a eficiência no setor, com foco em subsídios cruzados inter e intrassetoriais, como forma de viabilizar reduções de preços e tarifas de eletricidade. Em 2018, foi lançado o Plano de Redução Estrutural das Despesas com a CDE. Parte desse esforço, o Decreto 9.642/18 determina redução gradual de 20% ao ano nos descontos para os consumidores rurais e prestadores de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, até sua extinção em 2023.
A tentativa de eliminar subsídio para o saneamento provocou forte reação no Congresso Nacional. Esta pressão contrária à entrada em vigor do decreto vai de encontro à preocupação com eficiência e busca de sinais adequados de preços e custos do fornecimento de energia elétrica.
Utilizando dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (FGV CERI) avaliou o impacto da eliminação do subsídio cruzado entre o setor de energia elétrica e saneamento básico nas tarifas de água e esgoto. De acordo com as estimativas, o efeito da decisão do Decreto 9.642/18 sobre a tarifa média nacional de água e esgoto será de 1% quando os subsídios forem totalmente eliminados. Esse impacto varia entre os prestadores devido à diferença na representatividade da despesa de energia elétrica nos seus gastos totais. Por exemplo, estima-se que o impacto na tarifa média da companhia estadual de saneamento básico do Distrito Federal será de 0,64%, enquanto na do Acre acarretará aumento de 1,93%.
Um exercício alternativo interessante consiste em identificar uma trajetória gradual de redução e/ou eliminação do subsídio para o setor de saneamento que fosse compensada por uma regulação que demanda o aumento de eficiência energética e/ou o uso racional da água por parte das prestadoras de serviço de saneamento. Dessa forma, a redução do subsídio poderia ser acompanhada pela redução do consumo de energia elétrica devido ao uso de tecnologias mais eficientes ou, indiretamente, pelo menor desperdício de água.
De acordo com nossas estimativas, com base nos dados do SNIS, uma redução média de 10 pontos percentuais no índice de perdas de água na distribuição das prestadoras de saneamento reduziria os custos com energia elétrica em igual proporção ao aumento causado pelo fim do subsídio, neutralizando o impacto do fim dos subsídios sobre usuários de saneamento, bem como mantendo a redução dos custos arcados pelos consumidores de eletricidade.
Isto significa dizer que o aumento dos custos arcados pelas empresas de saneamento devido à extinção do subsídio cruzado do setor elétrico poderia ser compensado pela redução das despesas com energia elétrica. Esta e outras discussões com relação ao tema foram feitas no artigo “Lógica e distorções por trás dos subsídios entre os setores de eletricidade e saneamento”, apresentado pelo FGV CERI no XI Congresso Brasileiro de Regulação, em agosto, em Maceió.
Vale ressaltar que promover a redução necessária nas perdas de água no período de cinco anos não é tarefa simples. Logo, iniciativas voltadas ao aumento da eficiência energética podem vir a complementar tal medida para fins de redução dos custos da prestadora de saneamento com energia elétrica.
Existem instrumentos capazes de mobilizar capital para ações de eficiência energética beneficiando inclusive, e principalmente, o setor de saneamento. Um exemplo é o FinBrazeec (Financial Instruments for Brazil Energy Efficient Cities), programa do Banco Mundial para a Caixa Econômica Federal, que pode apoiar ações de eficiência energética para companhias de saneamento. Apesar de atualmente o FinBrazeec estar focado em projetos de iluminação pública, há espaço para inclusão de projetos que visem a eficiência energética na indústria do saneamento.
Vale também destacar anúncio recente de que o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) estaria reestruturando a unidade para criar um grupo para ação descentralizada em parceria com entes subnacionais, onde poderiam ser incluídas as referidas ações.
O desenvolvimento de políticas focadas na promoção da eficiência nos setores de infraestrutura, como energia elétrica e saneamento, tem impacto muito relevante. Ainda hoje, ambos os setores enfrentam volumes elevados – quase inadmissíveis – de perdas. Conforme se verifica pelos dados mais recentes da Agência Nacional de Energia Elétrica e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, convivemos com 14% de perdas totais na distribuição de energia elétrica e 38% na distribuição de água.
No presente artigo, discutimos uma medida de política que substitui subsídios das tarifas de eletricidade em favor de companhias de saneamento por ganhos de eficiência energética que acabam por beneficiar ambos os setores e seus usuários. Esse é um exemplo de medida capaz de promover ganhos econômicos, sociais e ambientais. O desafio de sua implementação, contudo, é lidar com resistências políticas. Para enfrentálas, é fundamental avançar para além dos conflitos distributivos, que na maioria das vezes acabam por impedir reformas meritórias por aumentos de eficiência, com melhorias de competitividade e crescimento econômico.
Joisa Dutra
Presidente do Conselho de Energia da ACRJ e Diretora do FGV-CERI
Juliana Jerônimo
Pesquisadora do FGV-CERI