Por detrás dos gestos eloquentes e do olhar que revela um perene bom humor, as palavras do Embaixador Marcos Castrioto de Azambuja são providas de pragmatismo e sensatez, e fluem em uma linha de raciocínio de opiniões precisas. “Estamos vivendo em um momento de transição. Há uma imensa mudança nas regras do jogo”, disse, sintetizando o pensamento desdobrado durante sua apresentação. Em sua palestra para o Conselho Empresarial de Política e Comércio Exterior, no dia 20 de março, o diplomata falou aos Conselheiros sobre as mudanças geopolíticas no mundo e suas implicações na América Latina.
“Vivemos em um mundo no qual ainda não há um rótulo definido. E essas mudanças impactam na geopolítica”. De acordo com o diplomata, que já foi embaixador do Brasil na França, na Argentina, Secretário-Geral do Itamaraty entre outros cargos de prestígio ao longo dos anos, “ainda não possuímos as ferramentas necessárias para atuarmos nesse novo cenário”.
Esse quadro que se apresenta seria definido, segundo ele, pelo veloz e inexorável avanço das novas tecnologias de comunicação e ao impasse atômico entre as grandes potências. “Se não houvesse as armas nucleares, já estaríamos na Quarta Guerra Mundial. Vivemos protegidos pelo terror causado pelas armas de destruição em massa. Elas elevaram os riscos de um conflito a um custo proibitivo.”
O diplomata também conectou o acesso facilitado às ferramentas comunicacionais da atualidade ao fluxo de migração mais intenso dos últimos anos, identificado principalmente na Europa e EUA. “Sempre houve o processo de migração, mas hoje, do seu celular, a pessoa no Zimbábue tem a consciência de que a vida em Estocolmo é melhor. E isso ocorre ao mesmo tempo em que lugares como a Europa sofrem com a falta de mão de obra acarretada pela diminuição da taxa de natalidade. Ou seja, a Europa precisa desses trabalhadores que eles mesmos desprezam. Queremos que as tecnologias se movam, mas as pessoas não.”
Brasil
Nesse momento de rápidas mudanças pelo mundo impulsionadas pelo avanço tecnológico, Azambuja observou o papel do Brasil nesse contexto. “O Brasil é uma história de demoras. A chegada do país na Segunda Guerra só se deu ao final do conflito, o fim da escravidão foi tardio, etc.. Nessa época de aceleração do mundo, corremos o risco de ficarmos ainda mais para trás. Estamos defasados.”
Ele comentou também sobre o encontro do presidente Jair Bolsonaro com o presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca, que ocorrera no dia anterior a sua palestra na ACRJ. “Ontem, vislumbramos um exercício que violou todos os cânones do meu tempo. E é natural que isso ocorra. Este é um mundo novo, onde ninguém tem noção do que vem pela frente. É um momento de perplexidade e incertezas, mas a humanidade não quer isso. Queremos sim aventuras, mas queremos sempre voltar à segurança”, afirmou.
Venezuela
De acordo com o diplomata, a situação da Venezuela é “anômala”. “Você não pode ter 98% da sua exportação baseada em apenas um produto. A Venezuela virou um posto de serviço! Chávez era um líder carismático, mas o problema dos líderes carismáticos é que carisma não é uma característica hereditária. O que ocorre na Venezuela hoje afeta até a política interna dos EUA, sobretudo na Flórida. O senador Marco Rubio, por exemplo, percebeu isso. Ele vai tentar trazer o eleitorado cubano e venezuelano insatisfeito com seus países para se fortalecer”, afirmou Azambuja. O senador republicano já afirmou que não pretende concorrer contra Trump nas primárias do Partido Republicano. Porém, o político vem buscando ganhar protagonismo no partido.
“O Brasil tem todo o direito de questionar a legitimidade de Nicolás Maduro, e não deve dar nenhum passo além disso. O governo faz muito bem em dizer que a Venezuela não é uma democracia, mas deve ter muito cuidado para não se tornar um instrumento de intervenção externa”, observou.
OCDE
Azambuja também falou da possível entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O governo dos EUA declarou apoiar a entrada do Brasil no grupo, desde que o país abandone o status de “país em desenvolvimento” na Organização Mundial do Comércio (OMC). “É prestigiosa a posição na OCDE. Ser membro do grupo oferece vantagens claras, você é visto como um país confiável, mas tenho a impressão de que perde mais do que ganha. De qualquer forma, o que não é possível é você adentrar o jardim da Casa Branca e tomar essa decisão. Para alguns países, a entrada na OCDE foi muito importante, mas não abdicaram do status de economia em desenvolvimento. Sou a favor da entrada do Brasil, mas não quero que queimemos as pontes com a OMC e nem que abandonemos o status de economia em desenvolvimento. O que eu realmente queria era uma negociação dos países do BRICS e que eles entrassem juntos no grupo.”
OTAN
“O Brasil entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é um disparate. Basta ver o nome do grupo. A entrada do país nessa organização representa entrar em um clube que não é seu. Tenho muita desconfiança de algo que massageia o seu ego de forma superficial. Nessa reunião (entre Bolsonaro e Trump) parece que houve um certo encantamento do presidente brasileiro, com toda a pompa e circunstância, como se dissesse, ‘olha eu aqui!”
Brexit
“Foi uma trapalhada. A votação do plebiscito do Brexit foi uma tentativa do então primeiro-ministro James Cameron de conquistar uma revalidação e se fortalecer no Parlamento Britânico, mas que deu errado. Ele tinha certeza da vitória, que não aconteceu. Além disso, a Inglaterra ainda pode motivar outros países do bloco da União Europeia a fazerem o mesmo, em um momento em que a China fica cada vez mais consolidada.”
O palestrante encerrou afirmando: “Sou um conservador econômico, tenho horror à irresponsabilidade. Em matéria cultural sou um progressista, e no campo político sou um pragmático. Isto, porém, é a antítese do que vem ocorrendo”. Apesar da preocupação com o futuro incerto e das críticas que ele possa ter feito, Azambuja demonstrou certo otimismo. “Nossa equipe econômica é boa. E considero que a corrupção está, de alguma forma, controlada”, e arrematou: “O principal ativo do Brasil nesse novo cenário internacional é seu tamanho. E no caso do Brasil, tamanho é documento.”