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A mediação como alternativa para a resolução dos conflitos: a utilidade das cláusulas escalonadas nos contratos societários

A mediação como alternativa para a resolução dos conflitos: a utilidade das cláusulas escalonadas nos contratos societários

A Associação Comercial do Rio de Janeiro, fazendo jus a seus 209 anos de representatividade e liderança, e sempre na vanguarda no debate de temas relevantes para seus associados, e também para a sociedade, não ficou alheia à novidade que foi introduzida pelo Código de Processo Civil, que estabeleceu como meta para juízes, advogados, defensores públicos e membros do ministério público o estímulo à prática da conciliação, da mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos, inclusive no curso do processo judicial, e também pela Lei no. 13.140, de 26 de junho de 2015, a Lei de Mediação, que veio regrar a atividade da mediação extrajudicial e judicial. Assim é que apoiou a realização de três grandes eventos a respeito do tema, bem como promoveu a divulgação de uma Cartilha de Mediação, como forma de disseminar o conhecimento do que se chama “sistema multiportas”.

O Poder Judiciário não dá mais conta de absorver as tantas demandas, sendo reais as críticas à morosidade do trâmite do processo judicial, bem como a imperfeições identificadas em algumas decisões, o que se justifica pelo excessivo número de processos submetidos a julgamento.

Nesse contexto, surgem os métodos alternativos de solução de controvérsias, em especial, a mediação, que nos permitirmos qualificar como o mais eficiente dentre os métodos de solução consensual de conflitos, efetivamente veio para ficar. Há grande esforço por parte de diversos dos Tribunais estaduais para implantar Centros de Mediação, assim como se tem verificado um movimento significativo de criação de Câmaras de Mediação no ambiente privado. Cursos de formação de mediadores e de qualificação de advogados para o seu exercício profissional nesse novo ambiente também são oferecidos em vários quadrantes do país.

O preço, todavia, tem sido alto, na medida em que nossa formação historicamente se voltou à busca da solução judicial propriamente dita. Fomos, profissionais do Direito e sociedade, formados para o conflito, para a busca de única solução no passado conhecida.

Hoje, vemos como possível que os conflitos possam ser solucionados de uma forma que vai muito mais além do que a solução meramente formal, ligada unicamente às suas consequências, na medida em que leva as partes envolvidas no conflito à efetiva identificação e eliminação de suas causas mais remotas.

Neste texto procuraremos abordar a importância da inserção nos contratos societários de cláusula de mediação, e mais, de cláusulas escalonadas. Segundo Fernanda Levy, cláusulas escalonadas são estipulações que preveem a utilização sequencial de meios de solução de controvérsias, em geral mediante a combinação de meios consensuais e adjudicatórios.

A ideia é sugerir a mudança da cláusula-padrão dos contratos societários, que depois de preverem tantas questões, definindo obrigações, direitos, forma de remuneração, distribuição de lucros, transferência de cotas, ao final, rende-se à mais usual e padronizada cláusula que encerra o contrato, qual seja, a eleição de foro. O uso dessa cláusula-padrão, por si só, termina por induzir a adoção de um único caminho, qual seja, o da via judicial, para solucionar eventuais conflitos que surjam na execução do contrato. Diante do conflito, e ante a disposição contratual, opção natural é buscar a tutela jurisdicional, assim frustrando a possibilidade de ter esse conflito, pelo menos em um primeiro momento, resolvido de forma consensual, trilhando-se via mais dispendiosa, mais traumática e que consome muito mais tempo.

Embora a mediação já venha sendo praticada no Brasil há algum tempo e embora a Lei de Mediação, que a introduziu no ordenamento jurídico pátrio, esteja próxima de completar seus 3 anos de vigência, é fato que ainda não foi absorvida por inteiro a consciência do proveito de sua utilização.

É certo que, a qualquer momento, quando do surgimento do conflito, ainda que instaurado o litígio, podem as partes convencionar sua solução através da mediação. A Lei n.13.140/2015, em seu art. 21, estabelece que o procedimento de mediação se inicia com o convite de uma parte à outra, com a indicação do escopo da mediação, local, data e horário da primeira reunião. Aceito o convite, lavra-se o termo de compromisso, através do qual assumem as partes a obrigação de buscar solução para o conflito através da mediação, devendo esse termo conter alguns requisitos, como, por exemplo, a qualificação das partes e de seus representantes,  especificando terem esses poderes para transigir; identificação do objeto da mediação; previsão de tempo do procedimento; lugar e idioma; distribuição de responsabilidades quanto ao pagamento das custas da mediação e honorários do mediador; agenda de trabalho, se possível já com a marcação de datas das sessões; indicação da instituição administradora da mediação, se for institucional, e a nomeação do mediador, ou mediadores, se for ad hoc.

Embora, quanto aos efeitos jurídicos, em nada difira a obrigação assumida no termo de compromisso firmado após o surgimento do conflito – ante sua também natureza contratual -, da obrigação que decorre da cláusula de mediação, não se pode olvidar que a previsão dessa no corpo do instrumento contratual é de especial valia.

Há de se registrar que a cláusula de mediação não se confunde com cláusulas de cortesia, de negociação ou mesmo de conciliação. É possível dispor no contrato que, surgida alguma controvérsia, na fase de sua execução, assumem as partes o compromisso de manter conversações amigáveis, estabelecer uma comunicação proveitosa e envidar esforços para solucioná-la. Em casos tais, assumem as partes um dever genérico de atuação amistosa para solucionar o conflito, um dever que seria mesmo o esperado, considerando que, ao contratar, assumem os contratantes deveres anexos, de colaboração, cooperação,  transparência e lealdade,  decorrentes do princípio da boa-fé objetiva. Nas demais convenções de composição amigável de controvérsia – negociação, conciliação e mediação -, todavia, as partes obrigam-se efetivamente a se submeter a um procedimento estruturado e aos efeitos jurídicos daí decorrentes.

Quando, no nascimento do contrato, as partes, ao lado de tantas outras disposições tutelando os interesses negociados,  ajustam a utilização de meios consensuais para compor os possíveis futuros conflitos, o ganho é inquestionável, porque a cláusula de mediação termina por evidenciar a intenção das partes de atuar de forma cooperativa e colaborativa, além de que, em ambiente de consenso, sem interferência das tensões resultantes do conflito instalado, as partes têm mais liberdade para negociação, para escolha da instituição ou dos mediadores, para fixar prazos, local e regras procedimentais, além de poderem contar com o princípio da confidencialidade.

Os requisitos da cláusula de mediação estão elencados no art. 22 da Lei de Mediação, valendo registro que se, por ajuste expresso, as partes se comprometerem a não iniciar processo arbitral ou judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, tanto o árbitro, quanto o juiz, deverão suspender o curso do processo arbitral ou judicial nos termos convencionados. 

A cláusula de mediação deve ser o mais exauriente possível, com a indicação, de preferência, da câmara privada administradora do procedimento, porque é certo a mediação institucional apresenta vantagens em relação à mediação ad hoc. E não se está a considerar apenas o fato de que a boa administração da mediação permite um procedimento mais célere, realizado em ambientes confortáveis, com apoio de serviço de secretaria, como também – e especialmente – o de que, em regra, as instituições mantêm lista de mediadores, contando com profissionais capacitados, com habilidades especificas para gestão de cada tipo de conflito.

Uma prática que vem apresentando resultados promissores, porquanto eficientes, é a adoção de cláusula escalonada, como acima referido. Como leciona Fernanda Levy  “embora ligadas pelo berço, mediação e arbitragem possuem logicas diferentes e ao longo do tempo acabaram por seguir caminhos paralelos”, isso não impede, todavia, possam formar parceria em favor da solução adequada para o conflito instalado, oferecendo, em conjunto, respostas eficazes.

No sistema multietapas de solução de controvérsias, os mecanismos colocados à disposição das partes são vários, e podem ser conjugados, combinados, isso, obviamente, com segura técnica jurídica, a fim de garantir às partes a pacificação do conflito, e não sua ampliação.

Tem-se aplicado com frequência as cláusulas escalonadas que preveem a utilização dos mecanismos da arbitragem e mediação, em fases sucessivas. É possível ajustar que tenha início o procedimento pela mediação e, caso não se alcance o acordo desejado, passa-se à arbitragem – cláusula med-arb -; como pode-se prever que se inicie com a arbitragem, passando-se à mediação, caso se verifique  possível o acordo, ficando suspenso o processo arbitral, enquanto a mediação é realizada – cláusula arb-med.

Interessante notar que, ao escolher a cláusula med-arb, as partes convencionam a possibilidade de solução da controvérsia por dois meios, um, consensual – a mediação -, outro, adversarial – a arbitragem. Alguns autores defendem que esses mecanismos podem ser conduzidos pela mesma pessoa, que ora exerce a função de mediador, ora, de árbitro, assim se alcançando uma decisão arbitral qualificada, na medida em que proferida por profissional com profundos conhecimentos dos fatos e dos interesses das partes. A crítica a esse entendimento – e que parece correta – é a de que o aprofundamento necessário à mediação, quando o mediador toma conhecimento de informações resguardadas pela confidencialidade, em muito pode comprometer a imparcialidade quando assumir a função de árbitro. 

Outra questão relevante a respeito do tema diz respeito aos efeitos jurídicos advindos da recusa injustificada de uma das partes em participar da fase da mediação. Sabe-se que a mediação está ancorada no princípio da autonomia da vontade. Assim, não caberia a mediação ser imposta, se assim não desejar a parte. Isso facultaria àquela, que entende que a mediação resultaria maior custo e perda de tempo para solução da controvérsia, que poderia ser logo resolvida meio adversarial, se negar a se submeter ao procedimento de mediação, frustrando o pacto celebrado.

Se for a cláusula med-arb considerada uma cláusula híbrida – e não duas convenções distintas e autônomas – que contempla uma convenção de arbitragem precedida do procedimento de mediação, que a condiciona, possível se faz emprestar a força vinculativa da arbitragem à mediação, sem que se esteja a afrontar o princípio da autonomia da vontade. Para tanto, necessário se faz que esteja previsto na cláusula ser pressuposto prévio do processo arbitral o comparecimento das partes à primeira reunião de mediação. O princípio da autonomia da vontade, assegurado no momento da formação do contrato e da assunção de obrigações, termina mitigado pela força vinculativa do contrato celebrado.

Vale notar que, no direito pátrio, esse entendimento se viu reforçado pelo legislador, não só quando previu a suspensão do processo arbitral, quando há clausula de mediação no contrato sobre o qual pende o litígio (art. 23 da Lei n.13.140/2015), de forma a que as partes se submetam antes à mediação, como também quando impôs sanção à parte que deixa de comparecer à primeira reunião de mediação, ainda que vencedora na demanda que tiver por objeto a matéria da mediação para a qual foi convidada (art. 22, parágrafo 2, IV, da Lei n 13.1.40/2015).

Através da cláusula arb-med convencionam as partes submeter eventual conflito à arbitragem, ajustando, contudo, que, se for o caso, pode ser iniciado o procedimento de mediação incidental. O prévio ajuste dessa cláusula permite superar o receio – frequente – que tem a parte, interessada em propor a mediação, que com sua conduta demonstre fragilidade perante seu adversário. Estando prevista a cláusula no contrato, a cláusula obriga as partes, sem que nenhuma delas se sinta em posição de desvantagem ante à outra. Suspenso o processo de arbitragem, tem início a mediação, conduzida por terceiro imparcial e neutro, de preferência, pelas razões já apresentadas, por  profissional diverso do árbitro. Importante fique explicitado na cláusula o tempo de duração do procedimento arbitral, com vistas a não impactar no andamento do processo arbitral, nem se permitir seja a mediação utilizada pelas partes como medida de procrastinação. Concluída a mediação, com acordo sobre a totalidade, ou não,  das questões conflituosas, o processo arbitral é retomado, a fim de que o acordo seja homologado pelo árbitro. Caso o acordo seja parcial, homologa o árbitro o que foi acordado pelas partes, a arbitragem segue para regular instrução e decisão arbitral.

Importante aqui registrar a vantagem da homologação do acordo, tanto aquele obtido na mediação incidental, quanto na prévia ao processo arbitral, se dar por sentença arbitral. Como sabido, a Lei n 9.307/1996, com as modificações introduzidas pela Lei n.13.129/2015, equiparou a jurisdição arbitral à estatal, sendo a sentença arbitral título executivo judicial, nos termos do art.31 do referido diploma legal, apta, portanto, a produzir os efeitos de coisa julgada material e formal. Por sua vez, a Lei 13.105/15 (o novo CPC), muito embora anterior, já estava a recepcioná-la no seu artigo 515,VII,  como título executivo judicial. Por isso, são aplicáveis à execução da sentença arbitral as regras relativas ao cumprimento de sentença e muitos são os impactos daí advindos, particularmente a limitação de matérias que podem ser deduzidas na defesa do executado e a aplicação de multa na hipótese de não haver o adimplemento espontâneo da sentença arbitral.

O acordo firmado pelas partes no procedimento de mediação, firmado pelo mediador, por sua vez, tem natureza de título executivo extrajudicial e está sujeito à execução nos termos dos artigos 771 e seguintes do CPC.  É verdade que as partes, se assim desejarem, podem levá-lo à homologação judicial, através de procedimento de jurisdição voluntária, como previu o legislador no inciso VIII, do artigo 725, também do CPC. A partir de então, uma vez não cumprido o acordo e estando homologado por sentença judicial, eventual inadimplemento dar-se-á da mesma forma do que a sentença arbitral, ou seja, se submete ao procedimento de cumprimento de sentença, previsto nos artigos 513 e seguintes do CPC. Mas, se o movimento que se quer fazer é o da desjudicialização, estando prevista no contrato a cláusula escalonada, para as partes abre-se uma via mais célere, na medida em que essa homologação fica a cargo do árbitro, ocorrendo nos autos do processo arbitral.

Ainda que se considere que um acordo firmado pelas partes, no âmbito da mediação goza de alta confiabilidade de execução espontânea, não se pode deixar de considerar que se, por variadas razões, esse fim não for alcançado, e o credor tiver que se valer do Poder Judiciário, a executoriedade do título que ostenta a natureza de título judicial lhe propiciará seguir o procedimento de cumprimento de sentença, como já referido, uma via mais ágil.

Buscamos demonstrar que a adoção de uma ou outra modalidade de cláusula escalonada é ganho efetivo para as partes ao contratar. Alertamos, todavia, que a redação da referida cláusula exige técnica e especial cuidado. Deve-se evitar cláusulas vazias, ou que resultem interpretações ambíguas ou duvidosas. Por isso, optar pela mediação e arbitragem institucional, com a adoção da cláusula sugerida pela câmara privada indicada sempre é mais seguro e confiável.

Assim como a arbitragem conquistou seu espaço, a mediação também tomou um caminho sem volta. Sua adequação é singular nos conflitos societários, quando as divergências, desentendimento, podem tanto comprometer os resultados da atividade empresarial. Nem sempre são bons os resultados advindos do conhecimento pelo mercado dos conflitos societários internos, suas razões, origens. Por isso, a mediação é melhor e mais adequado meio de solução de controvérsias entre sócios, e entre esses e seus clientes. No cenário da mediação, todos estão resguardados pela confidencialidade, pela informalidade, assegurado o prestigio integral à autonomia da vontade, priorizada a boa-fé, transparência, lealdade de atuação,  a imparcialidade do terceiro facilitador, razão pela qual a busca do consenso se faz em ambiente mais seguro e tranquilo.

A previsão de cláusula de mediação agrega valor aos contratos societários, na medida em que saber que se pode contar com o terceiro imparcial, a quem serão retratados os reais interesses das partes, ajuda a construir projetos mais duradouros e educa-se as partes, antecipadamente, à cultura do diálogo.

Concluímos, deixando para reflexão a frase de Albert Einstein: “A mente que se abre pra uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original”.

LEVY, Fernanda, in, “Clausulas Escalonadas – a mediação comercial no contexto da arbitragem”, Saraiva, 1ª edição, 2013,SP, p.173.

LEVY, Fernanda, in, “Clausulas Escalonadas – a mediação comercial no contexto da arbitragem”, Saraiva, 1ª edição, 2013,SP, p.195.

Luisa Bottrel
Advogada, mediadora e árbitra, sócia do SBS-Siqueira, Bottrel, Almeida e Silva Advogados; mediadora certificada pelo ICFML, integrante da lista de mediadores da FGV, CBMA, CCMA, CASA e CCFB, integrante da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB, membro efetivo da Comissão de Mediação e Arbitragem do IAB e membro do Conselho Empresarial Jurídico e Estratégico da ACRJ.

Lucia Mugayar
Advogada, sócia de Lucia Mugayar Advocacia, Mediação & Consultoria, mediadora certificada pelo ICFML, professora de Processo Civil da Universidade Cândido Mendes de Ipanema, integrante da lista de mediadores da CAMC-OAB/RJ, membro efetivo da Comissão de Processo Civil e da Comissão de Mediação e Arbitragem do IAB.