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Porque cultura

Porque cultura

O projeto sonhado e alinhavado pelo Dr. José Aparecido de Oliveira nascia há trinta de três anos no impulso de dotar o povo brasileiro de uma cidadania qualificada. A criação do Ministério da Cultura do Brasil aconteceu no dia 15 de março de 1985, no governo do presidente José Sarney. Ao longo de sua existência teve duas rápidas interrupções, nos governos de Fernando Collor de Mello e Michel Temer. Apesar das exceções, se consolidou e se tornou prioridade, atuando de maneira articulada nos diferentes setores da vida pública e privada, multiplicando investimentos, viabilizando políticas inclusivas e eficazes.

A cada fim de governo, a pertinência desse Ministério é questionada em decorrência de uma visão equivocada da Cultura e de sua aplicabilidade no setor econômico. Essa é a percepção que coloca a Cultura como uma mera estatística de números gerados por gastos e receitas. Quando o que se deve enfatizar são o debate e a análise das questões fundamentais para o fortalecimento da cidadania pelo reconhecimento da importância das tradições do país e do acesso aos produtos culturais. Como um projeto de respeito e promoção de nossa diversidade cultural, potencial gerador de empregos e recursos. Cultura não pode ser negociada como um bem de consumo qualquer, e sim como o patrimônio acumulado de uma população que por gerações preserva e transmite saberes e fazeres.

Etimologicamente Cultura, vem do latim, colere, cultivar, preparar a terra, plantar, semear, festejar a colheita cantando e dançando. Um processo repetido a cada ano, mantendo os mesmos princípios de ações e festejos  combinando tempo, espaço e memória. Essa relação é que mantêm a tradição que nos permite contemplar o passado e compartilhá-lo no presente. Cultura nesse sentido é o que nos instiga e nos faz evoluir num cenário dinâmico de conhecimentos, saberes e tradições no domínio da criação, das técnicas e da produção como encantamento e magia da vida.

Quando um governo percebe a Cultura como a expressão ancestral e simbólica de tudo, ela se faz cidadã e saberá valorizar as pessoas e suas formas de vida, pois a cidadania se realiza melhor em ambiente de cuidado e respeito. Deixa de ser somente a administração de recursos, um processo mercantilista para se transformar também na administração de sonhos, de beleza de sentimentos e, assim, a vida passa ser o centro de tudo e não a coisa, como diz nosso poeta, compositor, cantor e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil. Um país é construído por indivíduos que valorizados na sua tradição serão agentes multiplicadores de atos criativos em sua dimensão regional e nacional e geradores de desenvolvimento e emprego. Não mais um ornamento e sim algo básico na vida de todo cidadão. É essa a cidadania desejada, que desde muito falta no cotidiano desigual, violento, miserável e injusto do nosso país.

Inacreditável é imaginar que no Brasil,passados 518 anos, ainda se escuta que o país está em processode construção. Mesmo compreendendo construção como um benéfico instrumento de renovação. O Estado precisa reverter esta percepção para a de um país que permanentemente é capaz de construir, com sua enorme força cultural mecanismo para absorver a diversidade de valores que estão reunidos no seu território e fortalecê-los perante aos desafios contemporâneos impostos pela globalização e pela tecnologia. O universo de valores e saberes que hoje estão no centro da economia mundial são os que condicionam o desenvolvimento da inovação e a expansão da economia regional, capaz de fortalecer o homem no seu espaço, longe da marginalidade dos grandes centros urbanos, onde reina a violência e o anonimato. Essa sobrevivência depende da afirmação da Cultura como agente gerador da coincidência do nosso modo de ser e de fazer como fonte econômica de crescimento regional.

Em qualquer área governamental, especialmente a social, há uma demanda permanente de modernização, o que não pode ser entendido como exclusão do organograma de um programa governamental. Todo o cidadão no Brasil de hoje tem a dimensão da crise econômica, política e administrativa por que passa o país. Mas a crise é também conceitual, presencia–se a falta de modelos que gerem respostas eficazes e que possam substituir a estagnação e a descrença.

Os agentes administrativos não são, muitas vezes, capazes de perceber que a continuidade de ações acertadas não significa descrédito, muito pelo contrário,fortalece o novo com a possibilidade de seguir em outras e novas direções, cada vez mais desafiantes dentro da economia cultural. A complexidade cultural que penetra os diversos setores como cinema, televisão, teatro, música, artes, patrimônio, museus, livro, para citar os chamados clássicos, é hoje confrontada com novas fronteiras que rompem paradigmas e introduzem na produção cultural tendências e tecnologias contemporâneas, como videogames, animações, consumo e conteúdo de internet, que exigem parâmetros legais de direitos autorais.

Em 2003, o Banco Mundial realizou o primeiro estudo para mensurar o impacto da Cultura. O resultado apontou as atividades culturais responsáveis por 7% do crescimento do PIB mundial, concorrente das cifras das indústrias bélicas e petrolíferas. De lá até hoje, esse número vem crescendo, o que levou muitos países a investirem fortemente nos equipamentos culturais de qualidade. No Brasil, infelizmente ainda não há a percepção de toda a potencialidade da atividade cultural como geradora de emprego e investimentos sociais, tanto nos grandes centros urbanos como nas pequenas cidades. Os governos não destinam sequer 1% do orçamento nacional para políticas culturais, como acordo assinado pelo Brasil com a UNESCO. Os índices não passam de 0,7%, sendo que em 2017 a aplicação foi de 0,6%.

Quando o governo decidir atuar de forma precisa e articulada na Cultura, multiplicando investimentos que permitam a realização de políticas públicas, metas e a conclusão dos projetos do setor, gerará confiança no investidor e poderá ver os resultados em propostas de alto retorno social, educativo e econômico. Para tanto, basta ter à vontade política de colocar a Cultura no mesmo patamar da Educação e da Saúde. O governo que assim agir será vitorioso e colherá os frutos desse investimento.

Vera Lucia Bottrel Tostes
Museóloga, historiadora. Presidente do Conselho Empresarial de Assuntos Culturais da ACRJ