‘E por que não dissemos nada, por que diante da catástrofe, ainda ficamos hoje de braços cruzados e com os olhos, nem digo resignados, mas tentando desviá-los para o outro lado? Por que deixamos a coisa correr, por que nos comportamos como espectadores do desastre? (…) o que choca é a ausência de reação, a passividade”. As palavras do filósofo francês Frédéric Gros servem ao Projeto de Lei (PL) 6.621/2016. Sua missão é reformar o arcabouço aplicável às agências reguladoras. No entanto, um de seus principais avanços — blindá-las da influência política — está na berlinda.
O pano de fundo do PL são os conhecidos desafios que enfrentamos: desigualdade social; déficit público; necessidade de reformas tributária, previdenciária e política; segurança pública em frangalhos; baixa eficiência empresarial, inclusive de estatais, dentre outros.
Permeia no bojo desses desafios a dificuldade do Estado de prestar serviços públicos com qualidade e cumprir suas atribuições essenciais, atendendo às necessidades nas áreas de saúde, segurança e educação e proporcionando um ambiente negocial de confiança. “Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas”, já dizia o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pela Presidência da República em 1995.
As agências existem para regular e fiscalizar os setores empresariais, circunscritos à esfera de sua atuação. Devem agir com autonomia e responsabilidade, implementar políticas públicas definidas pelos poderes Executivo e Legislativo, com foco exclusivo na qualidade e na modicidade dos serviços públicos a serem prestados. Independência é crucial para o bom funcionamento. Independência político-partidária. Independência administrativa e financeira. Independência das entidades reguladas. Independência de quaisquer grupos de poder.
A primeira derrota foi a emenda apresentada pelo deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), e acatada pelo substitutivo do relator, deputado Danilo Forte (PSDB-CE), que suprimiu dispositivo que impedia a indicação para dirigentes das agências de profissional com passagem recente pelo meio político. Originalmente, o projeto deixava de fora da direção das agências reguladoras aqueles que, nos últimos 36 meses, tivessem participado de estruturas decisórias de partidos políticos ou tivessem trabalhado em campanhas eleitorais.
Como se isso não bastasse, a deputada Margarida Salomão (PT-MG) pediu a derrubada do veto ao dirigente que acumula a função com a atividade político-partidária. Ao justificar a proposição, disse que este é um “direito de cidadania e não deve ser restringido”, como se o aparelhamento político-partidário das agências fosse mera consequência de um exercício de cidadania — felizmente, a emenda foi rejeitada.
Assaz preocupante foi o resultado da reunião de 11 de julho da comissão especial da Câmara que analisou o PL 6.621. Os parlamentares aproveitaram o encontro, destinado à aprovação do parecer do relator, para propor a supressão da “blindagem política” na Lei das Estatais. Ou seja, querem desfazer um instrumento importante para a governança de empresas públicas e sociedades de economia, que nem sequer são objeto do PL das agências reguladoras.
É estarrecedor observarmos o esforço parlamentar em final de mandato para manter o aparelhamento político das entidades integrantes da administração indireta, sacrificando sua independência administrativa. E ainda mais preocupante que o façam em projetos legislativos que nasceram justamente para dar uma resposta à sociedade, após os escândalos que assolaram as empresas controladas pelo Estado.
Não sejamos espectadores do desastre.
João Laudo de Camargo
Coordenador-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa no Rio de Janeiro e Conselheiro da ACRJ
Mario Engler Pinto Junior
Professor da FGV Direito SP
Artigo publicado no jornal O Globo – 16/07/2018
Clique aqui para ler a matéria na íntegra