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O país do desperdício

O país do desperdício

O Brasil é um país abençoado pela natureza. É situado no interior de uma placa tectônica, sem a ameaça constante de terremotos, não sujeito a temperaturas extremamente baixas nem a tornados, fatores estes que obrigam muitos países a gastos significativos de reconstrução e de recuperação da população ferida, sem contar as irreparáveis mortes ocasionadas.

No entanto, o Brasil menospreza essa benção. Chuvas mais persistentes e ventanias fortes que seriam consideradas brisas para os habitantes do corredor de tufões do Caribe impõem também custos significativos ao país, devido ao desleixo dos políticos e agentes públicos. Desleixo traduzido na falta de dragagem das calhas dos rios conhecidamente problemáticos, na deficiente drenagem das vias pluviais das cidades, na ausência de manutenção das encostas, bem como no estelionato eleitoral perpetrado por aqueles que viabilizam a moradia da parcela mais indefesa da população em áreas de risco. Político brasileiro enjeita as palavras “manutenção” e “prevenção”, preferindo “inauguração” com solenidades, placas de bronze e propaganda eleitoral.

Todos os anos ocorrem catástrofes evitáveis, com danos materiais, desalojados, mortos e feridos, um sofrimento imposto principalmente à população mais vulnerável do país. Recursos antes destinados à melhoria efetiva das condições de vida da população acabam sendo realocados na reconstrução de imóveis e equipamentos públicos destruídos, na realocação de desalojados, em atendimentos médicos e psicológicos. Em muitos casos tais recursos são tragados pela corrupção. As unidades de atendimento não estão preparadas para esse afluxo anormal.  Absenteísmo ao trabalho e à escola, atrasos, desatenção nas atividades laborais e de estudo, tudo desemboca no desperdício de recursos físicos e de potencial humano, tão importantes num país que pretende se desenvolver, ou de pelo menos sair da armadilha da renda média na qual nos encontramos. Tal situação piora ainda mais a disparidade de renda e de oportunidades.

Ao invés de revolta, percebe-se o desalento e a resignação da maioria da população afetada, através das entrevistas da mídia que cobre os desastres. Trata-se de um problema cultural. Um pouco de indignação já seria positivo. Por outro lado, não há punição dos responsáveis, parte devido ao nosso sistema jurídico, parte pela cultura do “mais ou menos”, do “deixa disso” e pela “síndrome da compadecida”. Raros são os políticos que vêm em defesa dos prejudicados, contra os desmandos de seus colegas desonestos.   

O custo total dessa nossa incompetência para o país é significativamente superior ao das obras de manutenção, prevenção, fiscalização e de conscientização da população carente sobre seu direito a ações construtivas e competentes do poder público. Se nada mudar seremos sempre o país do desperdício que carrega água em cestos. 

Fernando Cariola Travassos
Diretor e Conselheiro da Associação Comercial do Rio de Janeiro
Engenheiro e Doutor e Economia-USP

Publicado no Jornal O Globo – 22/01/2018
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