Nos tempos atuais, há uma tendência para que sejam ampliados os limites da autonomia privada na regulamentação dos procedimentos. É o que chamamos de princípio do autorregramento da vontade do processo.
A Lei 9.307/1996 foi um importante marco no ordenamento jurídico brasileiro com aplicação da arbitragem para resoluções de conflitos, onde um árbitro (ou Tribunal Arbitral) poderá solucionar embates jurídicos, sem a intervenção estatal.
A referida lei representou um grande avanço, possibilitando, dentre outras coisas, que as partes contratantes criem, livremente, o procedimento a que serão submetidas em eventual conflito, na forma do artigo 21:
“Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento”. (sublinhamos)
O processo arbitral, na verdade, é um processo negociado, em que, através do compromisso arbitral, é permitido definir a organização do processo, sua estrutura e, até mesmo, o órgão jurisdicional que julgará a lide.
Assim, como forma alternativa de solução de conflito, procurando desviar a matéria litigiosa do Poder Judiciário, subordinado a um rígido procedimento legal e dependente do julgamento de infindáveis recursos, grandes empresas passaram a incluir a cláusula compromissória (art. 4, Lei 9.037/1996) de arbitragem em seus contratos.
A alternativa de autorregramento do procedimento pela autonomia privada sempre foi uma grande vantagem da arbitragem em relação ao processo judicial, o que fez com que grandes casos fossem direcionadas para esse meio alternativo, como assinalado por José Eduardo C. Alvim:
“A grande vantagem da arbitragem sobre o processo judicial é que, nela, o procedimento é estabelecido pelas partes, podendo estas determinar os atos a serem praticados e o número deles, concentrando ritos e sumarizando quantum satis o procedimento que querem seja observado”.
Por outro lado, muitas vezes os custos com a arbitragem, principalmente com as taxas de administração do procedimento, cobrados pelos centros de arbitragem e os honorários dos árbitros, acabam por inviabilizar a sua escolha, o que impedia as partes de exercer o autorregramento de eventual conflito, restando apenas os procedimentos disponibilizados pela legislação processual civil no âmbito do Poder Judiciário.
Portanto, durante os anos, a Lei de Arbitragem foi aopção prevista na legislação que autorizasse aos sujeitos de direito, no âmbito da autonomia privada, realizar a autorregulação do modus operandi do conflito, com o objetivo de adequá-lo as suas necessidades.
Contudo, com o advento da Lei 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil – houve a ampliação dos negócios jurídico processuais, com a previsão da cláusula geral de negociação sobre o processo, concretizando o princípio do respeito ao autorregramento processual, conforme artigo 190,:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. (grifamos)
O Novo Código de Processo Civil somou-se à Lei de Arbitragem como instrumento pelo qual as partes podem convencionar o regramento do procedimento, abrindo-se a oportunidade para fazê-lo perante o Poder Judiciário.
Importante esclarecer que não se trata do negócio sobre o direito litigioso (autocomposição), mas sobre o processo, flexibilizando e alterando as regras procedimentais, a fim de ajustá-las a melhor necessidade das partes.
Fredier Didier Júnior enumera diversos exemplos de negócios processuais permitidos pelo artigo 190 do Novo Código de Processo Civil: “acordo de impenhorabilidade, acordo de instância única, acordo de ampliação ou redução dos prazos, acordo para superação da preclusão, acordo de substituição de bem penhorado, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória, acordo para dispensa de caução em execução provisória, acordo para limitar o número de testemunhas, acordo para autorizar intervenção de terceiro fora das hipóteses legais, acordo para decisão por equidade ou baseada em direito estrangeiro ou consuetudinário, acordo para tornar ilícita uma prova etc”.
Pode-se incluir, ainda, o pacto de mediação obrigatória em que as partes decidem que, antes de ir ao Judiciário, devem submeter-se a uma câmara de mediação e, até mesmo, possibilitar, previamente, que determinado especialista seja indicado para realizar a perícia em eventual demanda judicial.
Dessa forma, atualmente é possível, fora do procedimento arbitral, que as partes insiram no contrato cláusula já regulando processo futuro, que diga a respeito àquela negociação ou, até mesmo, incidentalmente no âmbito da demanda já ajuizada, o que deverá ser obedecido pelo Juízo, podendo este apenas averiguar a validade das convenções estabelecidas.
Ou seja, não existindo defeito, o juiz não poderá recusar a aplicação do negócio processual.
Indo mais além, o Novo Código de Processo Civil trouxe a previsão do calendário processual em que, de comum acordo, juiz e as partes podem efetivar o agendamento dos atos processuais, dispensando, inclusive, a intimação para prática do ato ou para realização de audiência. Veja o dispositivo legal:
Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados (não haverá necessidade de intimar as partes dos atos processuais, pois já estão todos previamente intimados).
§ 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário. (grifamos e sublinhamos)
Logo, os artigos 190 e 191 do Novo Código de Processo Civil assegurou as partes contratantes inúmeras prerrogativas para modular o procedimento de eventual conflito da maneira que lhes convier, com redução ou aumento de prazos, supressão de recursos e audiências, flexibilizando o processo para garantir ou restringir a prática de atos processuais, implementando, também, o calendário processual como forma de empregar meios que acelerem a conclusão do processo.
Por tais razões, se evidenciou um paralelo entre os negócios jurídicos processuais e a arbitragem, iniciando uma tendência de substituição, em determinados casos, da cláusula compromissória pela inclusão do negócio processual.
Em que pese a flexibilização do procedimento no Juízo Arbitral ser maior que aquela do negócio processual, é evidente que com introdução dos artigos 190 e 191 do Novo Código de Processo Civil sobreveio uma significativa aproximação entre esses institutos, oportunizando a utilização do Poder Judiciário naquelas demandas que seriam direcionadas à arbitragem, até mesmo pelo fato do custo financeiro ser indiscutivelmente menor.
Desta forma, não há dúvidas de que o negócio processual é propício para o exercício da liberdade negocial, como é a arbitragem, abrindo-se uma nova janela para aquelas partes que desejam se valer da autonomia privada e do autorregramento, em alternativa ao procedimento arbitral que demanda um alto custo financeiro, sendo este o motivo de, muitas vezes, o inviabilizar.
Daniel Homem de Carvalho
Vice-presidente Jurídico da Associação Comercial, sócio do escritório Lins, Homem de Carvalho & Pizzolante Advogados Associados
Bruno da Rocha Curty Ribeiro
Advogado da Associação Comercial do Rio de Janeiro