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Mercado de Capitais brasileiro e a Responsabilidade Social e Ambiental

Mercado de Capitais brasileiro e a Responsabilidade Social e Ambiental

Humberto E. C. Mota Filho (*)

Presidente do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da Associação Comercial do Rio de Janeiro

            A negociação de títulos das sociedades de capital aberto no mercado de capitais brasileiro, se dá para alavancar tais organizações e seus recursos no país, numa perspectiva de longo prazo, dividindo-se riscos ao partilha-los com novos acionistas, por exemplo. Por permitir novos investimentos em projetos e negócios de longo prazo, o mercado de capitais é estratégico para o avanço da agenda ASG (Ambiental, Social e Governança).

            Desde sempre, vale recordar que os investidores, a princípio, têm sua responsabilidade limitada ao valor das quotas ou ações. Consequentemente, aplicações que provoquem danos sociais e ambientais são capazes de ocasionar a perda do valor investido em um determinado negócio ou projeto.

            No campo da autorregulação propriamente dito, o Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado – Codim (2015) expressa claramente que, além do retorno aos acionistas, as companhias devem divulgar o seu comprometimento com a defesa dos direitos humanos, as causas sociais, os investimentos responsáveis, o uso eficiente e consciente dos recursos naturais, suas práticas de governança e transparência, a diversidade e o fomento ao desenvolvimento local, por exemplo.

            A própria Lei das S.A. estabelece que os administradores das companhias estão vinculados aos seus deveres fiduciários, e os obriga a agir com diligência e lealdade e a não intervir em caso de conflito de interesse. Entretanto, numa visão mais estrita da governança corporativa, não é raro que acordos de acionistas de grandes companhias abertas subordinem, incondicionalmente, os administradores e seus deveres fiduciários às diretrizes dos acionistas. Essa medida pode gerar a responsabilização deles por prejuízos causados à companhia, aos acionistas não signatários ou até mesmo ao mercado.

Todo esse instrumental de governança e gestão pretende aferir quais os procedimentos estão sendo efetivamente observados pelas companhias abertas, estrangeiras e incentivadas quanto a questões de natureza socioambiental. Esses instrumentos de governança e gestão também almejam revelar como os procedimentos adotados estão atrelados ao modelo de negócio e à estratégia de cada companhia, vinculando os seus objetivos econômico-financeiros aos objetivos socioambientais, numa perspectiva de longo prazo.

            De fato, a responsabilidade social e ambiental dos investidores e dos administradores só pode ser revelada quando a companhia estabelece metas socioambientais claras e objetivas, que sejam transparentes e de conhecimento público, além de serem passíveis de monitoramento e revisão externa. Uma governança sustentável, além de resguardar os investidores e administradores de questionamentos futuros sobre suas ações, evidencia o compromisso efetivo de cada um deles, gera credibilidade, fortalece a reputação, minimiza riscos e potencializa as oportunidades de tais empresas. Adicionalmente, é possível compreender quais são as externalidades negativas causadas pelas companhias e as suas ações efetivas para preveni-las ou mitiga-las. 

            Com a importância do estabelecimento das metas socioambientais claras e objetivas, seria possível cogitar uma linguagem comum ou língua franca que possa unir investidores institucionais e individuais, ambientalistas, reguladores, advogados, contadores e todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento sustentável, para que todos eles consigam sistematicamente comunicar-se uns com os outros, com as mesmas métricas e premissas? Responder tal indagação é importante, pois uma tal língua franca deve conferir não só racionalidade (eficiência econômica em sentido estrito) mas razoabilidade (considerações éticas inseridas em contextos específicos) ao ambiente institucional dos investimentos responsáveis.  

            É possível que essa língua franca seja encontrada em ferramentas como as do Relato Integrado (RI), caso esta ofereça efetivamente uma maior e mais qualificada integração de informações entre investidores e investidos (IIRC, Conselho Internacional para Relato Integrado, na sigla em inglês – 2013). Esse Relato nada mais é do que uma nova plataforma de comunicação corporativa voluntária, que se pretende concisa, abrangente e integrada, ao expressar ao mercado e aos demais interessados as informações financeiras e não financeiras das empresas, sintetizadas nos capitais específicos das organizações, o que tende a favorecer a incorporação dos temas da agenda ASG.  

                 Diversamente dos relatórios corporativos limitados às informações meramente financeiras e de caráter retrospectivo – como se fossem uma fotografia do passado da empresa e seus projetos – ou dos relatórios de sustentabilidade – ancorados em ações pontuais ou desvinculadas das demais estratégias corporativas – os relatos integrados esperam se legitimar como instrumentos sintéticos e prospectivos, reforçando a credibilidade das informações junto ao mercado. Nesse sentido, não é exagerado cogitar-se do RI como uma linguagem comum adequada aos investidores responsáveis, devido ao seu potencial para permitir um processo de tomada de decisões mais holístico, com uma abordagem global e abrangente sobre as estratégias e áreas de atuação da corporação.

             Neste momento, no âmbito das empresas privadas, o RI não é obrigatório para as sociedade anônimas. Mas caso as companhias abertas decidam elaborar e divulgar seus Relatos Integrados, elas deverão adotar para esse fim a Orientação CPC 09 – Relato Integrado, emitida pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, e tal relato deverá ser objeto de asseguração limitada por auditor independente registrado na CVM. Apesar disso, vale notar que alguns grandes bancos brasileiros já fazem uso desse instrumento, voluntariamente, para revelar ao mercado como geram valor.

            Nessa direção, revisitada a importância da agenda ASG no mercado de capitais, é possível concluir que tal agenda vai influenciar cada vez mais os negócios e o futuro das empresas abertas, em especial daquelas que desejam revelar seu real compromisso com a sustentabilidade. 

(*) Presidente do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da Associação Comercial do Rio de Janeiro