O Conselho Empresarial de Habitação e Desenvolvimento Urbano da ACRJ recebeu, dia 6 de maio, a fundadora do Projeto Redes de Desenvolvimento da Maré, Eliana Souza e Silva, e a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Sandra Plaisant. Elas foram convidadas pelo presidente do Conselho, Sérgio Magalhães, e o vice, Vicente Loureiro, para comentar sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, que determinou a elaboração de um plano para retomar as áreas ocupadas por organizações criminosas no Rio de Janeiro e a investigação pela Polícia Federal sobre crimes e violações de direitos humanos, entre outros temas relacionados à integração da cidade com as favelas.
O encontro contou ainda com a presença do presidente do Conselho Superior da ACRJ, Ruy Barreto Filho que abriu a reunião, o Grande Benemérito, Paulo Protásio, os vice-presidentes, Laudelino Mendes e Jacyra Lucas, e os presidentes do Conselho de Segurança e Ordem Pública, Fernando Veloso, e de Micro e Pequenas Empresas, Thor Carvalho.

Sérgio Magalhaes deu início ao encontro lembrando que o Rio de Janeiro vive um momento decisivo no desenvolvimento urbano, econômico e social da metrópole fluminense, onde a elaboração de um plano de ocupação social das favelas, conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal, representa um marco civilizatório. “Pela primeira vez, uma instância do Estado brasileiro, neste caso, o Supremo, reconhece oficialmente que a Constituição precisa valer nas favelas. Não se trata apenas de garantir segurança jurídica, mas de afirmar direitos fundamentais como moradia digna, infraestrutura básica, educação e mobilidade”, disse.

De acordo com ele, o desafio é complexo e, além deste plano do STF, inclui ainda a reconfiguração do entorno da Baía de Guanabara e a transformação do sistema ferroviário em metrô de superfície, três temas estruturantes que estão em jogo e podem provocar uma inflexão histórica no desenvolvimento da região metropolitana do Rio. “A janela de oportunidade é estreita. Mas o capital institucional, técnico e social está mobilizado. Resta agora alinhar esforços e garantir que as promessas se transformem em projetos, e os projetos, em realidade. Diante desse cenário, a Associação Comercial, através do nosso Conselho, assume posição de protagonismo neste debate e na busca de soluções. Por isso estamos hoje aqui”, completou ele.
Eliana explicou que esta decisão do Supremo reacendeu um debate antigo e fundamental de como o Estado deve intervir nesses territórios. Para ela, a resposta passa por reconhecer o que já existe e não repetir erros históricos de invisibilidade desta população e repressão. Ela criticou o uso da palavra “reocupação”. “As favelas já estão ocupadas. O que falta ali não é presença, é reconhecimento. Quando se fala em reocupar, se apaga toda uma história, toda uma dinâmica social, cultural e política que existe nesses territórios. O foco precisa ser a implantação de políticas públicas estruturantes: saúde, educação, mobilidade, infraestrutura e, sobretudo, segurança pública, mas sob uma nova lógica, que rompa com a tradição violenta da atuação do Estado nas favelas. O direito à segurança pública está interditado para o morador de favela”, declarou.

Para Eliana, é preciso mudar a forma como o Estado vê e age nas favelas. “Não se trata de ausência do Estado. O problema é o tipo de presença. É uma presença armada, agressiva, que desrespeita os moradores. Isso precisa mudar. O recado é claro: ocupar, sim, mas com escolas, hospitais, bibliotecas, saneamento e direitos. O desafio está lançado ao poder público para transformar o plano do STF em política efetiva, com a favela como protagonista, e não como alvo”, finalizou.

Sandra Plaisant acrescentou a importância de criar ou fortalecer instrumentos que possam assegurar a efetividade dos direitos de quem mora nas comunidades e defendeu que a discussão não pode se restringir ao poder de Polícia, ampliando a perspectiva e adotando uma abordagem que envolva políticas públicas integradas. “Não adianta atuar de forma isolada ou apenas com argumentos. Segurança pública exige articulação entre diferentes áreas, como educação, saúde, atuação em favelas, movimentos sociais e políticas públicas consistentes”, apontou.

A realidade escolar nas favelas, por exemplo, é impactada por fatores como a atuação da polícia e a insegurança cotidiana. “A educação de uma criança que mora em uma comunidade já é desigual. Nas favelas, as escolas precisam ser prioridade. Basta acompanhar o noticiário para ver quantas vezes as aulas foram canceladas por questões relacionadas à segurança pública”, afirmou.
Delegado de carreira, com quase 25 anos dedicados à segurança pública, o presidente do Conselho de Segurança da ACRJ, Fernando Veloso, defendeu o debate técnico e livre de manipulações ideológicas e um reposicionamento estratégico, “com menos narrativas e mais escuta de quem vive a realidade da violência, tanto os operadores da segurança quanto os moradores dos territórios afetados”, disse. Ele relembrou a época em que atuou nas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), expondo erros e acertos da experiência. “A ideia da UPP era pacificar, e nós erramos muito, mas também acertamos. Não podemos descartar isso. O Rio já testou de tudo, mas a experiência acumulada precisa ser aproveitada”, acrescentou, sugerindo a necessidade de um novo pacto pela segurança, centrado na experiência, na técnica e na escuta real da população.
