Nesta terça-feira, 11 de junho de 2019, o Presidente publicou mais um Decreto, o de nº 9.830, totalizando só este ano, 172, ou mais de um ato desta natureza por dia. Desta vez, foram regulamentados 10 artigos criados em 1942, quando nasceu a Lei de Introdução às Normas de Direito brasileiro, cujas adaptações necessárias já tinham sido feitas pelo Código Civil, que começou a tramitar em 1969 e entrou em vigor em 2003, para regular as relações particulares e empresariais no Brasil. As alterações não trazem muita coisa nova, mas podem causar confusão e os novos institutos podem até ser contestados na justiça, porque seria da competência do Congresso e não do Executivo fazer este tipo de lei. Mas, independente da discussão sobre o alcance e a validade do Decreto (cuja íntegra pode ser acessada pelo link no ao final desta matéria), a pergunta natural é se precisamos de mais leis ou só mesmo da simplificação dos procedimentos da administrativos.
A sociedade, representada por centenas de setores e segmentos, já fez um acordo em 1988, quando foi editada a Constituição Federal do Brasil com 250 artigos. Naquela oportunidade houve amplo debate político e ficou combinado quais seriam os seus valores, princípios e regras básicas. Essa Lei Maior, chamada de Carta Cidadã, já sofreu 99 reformas ao longo destes 30 anos de existência e se pretende mais uma. Caso aprovada, a Reforma da Previdência será a 100ª alteração, não sendo a primeira em matéria previdenciária.
Teoricamente, todo mundo deveria conhecer as regras constitucionais e todas as leis existentes, cerca de 19 mil só federais, porque todas devem ser igualmente cumpridas, por empresas e cidadãos. Mas, ninguém há de negar que a tarefa é desafiadora à medida que se somam à Constituição Federal, um anexo chamado de ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), que deveria ser só de transição mas, também vem sofrendo alterações ao longo do tempo, mais as medidas provisórias, os decretos do próprio Presidente, além das leis federais, estaduais e municipais. Os órgãos públicos também publicam regras diariamente.
Até o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), edita periodicamente diversos tipos de normativos, até por seus próprios órgãos internos, como é o caso do ENAT (?) e outros. Neste mar de normas e norminhas, que reside boa parte da burocracia que tanto se reclama.
Diante de qualquer caso, se acha logo que é preciso mais uma lei para resolver a questão e assim vamos nos afogando em leis que nem conhecemos. Já dizia Paulo Leminski, que “bem no fundo no fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto”.
Embora o poder estatal esteja dividido em 3: legislativo, executivo e judiciário, tem gente de todos os poderes querendo fazer novas leis, o tempo todo, para nós cumprirmos. A intenção até pode ser boa, mas esta produção descomunal de regras, dificulta bastante o conhecimento e o cumprimento dos preceitos mais básicos. “Lei boa é a lei velha”, porque já é conhecida e testada a sua interpretação. Nada como a segurança jurídica, da empresa e das pessoas, que precisam saber o que pode e o que não pode.
O pior cenário é quando a pessoa ou o empresário acorda a cada dia com uma nova obrigação a cumprir, que senão cumprida ainda gera multas. Um exemplo: todo mundo já se acostumou a usar cinto de segurança, já passou a fazer parte da rotina este hábito e ninguém mais reclama com o guarda porque já entendeu que a intenção é salvar vidas e evitar posteriores gastos com hospital e reabilitação de feridos. Mas, mesmo assim foi encaminhada mais uma alteração do Código de Trânsito para retirar a obrigatoriedade do uso do “cinto” das crianças, que necessita da cadeirinha.
Quando e faz uma regra, em especial, aqui no Brasil, não é tão simples não, porque nós ainda temos a figura cultural da “lei que pega”. É preciso mais que ter a lei, é preciso que tenha sido implementada e seja observada por todos, para não cair no desuso.
A Lei Complementar nº 123 é de 2006, chamada de Lei Geral das micro e pequenas empresas e dos empreendedores, até hoje tem muitos direitos não implementados, sendo um típico exemplo de que é preciso mais do que leis, é preciso colocar em prática o que já está no papel.
O aperfeiçoamento das leis é importante, mas a criação e a modificação das regras básicas diariamente, traz prejuízos para as novas e necessárias adaptações. Além de dar trabalho e custar muito conscientizar o povo destas regras todas, existe a necessidade de se treinar os funcionários e de se modificar os sistemas, programas, procedimentos, enfim, a rotina, da grande empresa ao pequeno negócio, para seguir qualquer novo regramento. Um caso recente e que espelha bem o problema se deu com uma obrigação tributária acessória chamada de ECF – Emissor de Cupom Fiscal. Foram anos conscientizando as lojas a terem e emitirem corretamente os cupons de venda, a fazerem os relatórios solicitados pelo fisco e diversas calibradas nas multas por eventuais erros, até que do dia para a noite, o fisco decidiu esquecer esta exigência para implantar a nota fiscal ao consumidor eletrônica, que já é diferente da nota fiscal eletrônica de venda ao contribuinte do ICMS e da nota fiscal de serviços. Só o equipamento que havia sido comprado dentro dos requisitos exigidos pelos fiscos estaduais para a obrigação velha custava em torno de R$ 6.000,00, perdidos. Novos recursos tiveram que ser despendidos para adaptação à nova obrigação.
O eSocial, um programa do governo federal para colocar todas as obrigações relativas a contratações em uma mesma plataforma, já foi adiado inúmeras vezes, porque implica na modificação de todos os sistemas, rotinas, interações e treinamento de empregados para as inúmeras adaptações, indispensáveis a uma nova realidade, a de tudo virtual, até a carteira de trabalho.
É claro que evoluir e melhorar é bom, mas é sempre melhor que as mudanças venham por lei feita pelo Congresso Nacional, porque pressupõe-se que a sua elaboração tenha contado com a mais ampla representação e participação popular. Uma lei bem-feita, assim como a mais elementar comida, depende de muitos fatores, depende de tempo para o preparo para ficar ao gosto da sociedade.
Hoje até o Ministério Público está mandando projeto de lei. Não se duvida da competência dos promotores para participar do processo de elaboração das normas, mas se espera que estes órgãos essenciais façam a sua parte para que as regras já existentes sejam cumpridas.
São muitos os casos que requerem a formação de um corpo de juristas e outros técnicos no assunto para que a regra nova seja exequível e compatível com o sistema nacional, mas é preciso deixar que cada poder faça a sua parte e para isto temos a divisão entre os 3 poderes, sendo função precípua do legislativo fazer as leis. O povo deve cobrar dos seus legítimos representantes leis que de fato atendam aos anseios de toda a sociedade, na medida e na possibilidade certa.
Caso alguma lei não esteja de acordo com o restante do ordenamento jurídico ou dê margem à mais de uma interpretação, temos ainda que contar com o poder judiciário, exatamente para analisar e resolver os conflitos, de forma técnica e imparcial, respeitando a Constituição Federal e as leis. Deste poder, o representante máximo é o Supremo Tribunal Federal – STF, a cujos ministros foi outorgada a missão mais especial, de guardião da Constituição Federal.
Ao Poder Executivo, cujo chefe maior é o Presidente da República, que tem inúmeros órgãos e funções públicas sob a sua administração, cabe o importante papel de fazer cumprir as leis, administrando bem os serviços e o patrimônio público, o que é uma tarefa desafiadora e que exige os melhores profissionais.
O não cumprimento da Constituição Federal e das leis ou a sua mudança diária, prejudica a sociedade, pessoas físicas e jurídicas, que se veem à mercê de regras que muitas vezes nem conhecem ou que podem cair a qualquer momento por não estarem de acordo com o sistema todo.
Talvez a estas alturas você já tenha chegado à conclusão que seria melhor começar a desburocratização com a revisão das leis já existentes, para quem sabe abrir mão de algumas, para facilitar o conhecimento e o cumprimento das mais importantes e indispensáveis. Assim, a pergunta a ser feita é se precisamos de uma nova lei a cada novo acontecimento ou se precisamos mesmo é que sejam cumpridas as já existentes e simplificados os procedimentos para maior segurança jurídica.
Cheryl Berno
Serviço
Para conhecer as leis federais:
http://www4.planalto.gov.br/legislacao/
O decreto novo do Presidente:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9830.htm
Bem no Fundo
Bem no fundo
no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas