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Bola fora do governo

Bola fora do governo

O governo federal errou feio ao editar medida provisória retirando dinheiro das loterias para esporte, educação e cultura, ferramentas imprescindíveis para o desenvolvimento humano, econômico e social. Um tiro no pé!

A Constituição diz que o Estado deve fomentar e incentivar o esporte como forma de promoção social, priorizando recursos públicos para o esporte educacional. Inclusive, além do Ministério do Esporte, com cerca de R$ 1 bilhão de orçamento, os ministérios da Saúde e da Educação — que juntos têm quase R$ 300 bilhões — também não deveriam investir em políticas públicas aproveitando o esporte para promover qualidade de vida, prevenir doenças, melhorar o desempenho acadêmico e diminuir a evasão escolar?

Antes de tirar recursos de quem tem menos do que precisa, é preciso refletir: por que loterias no Brasil arrecadam apenas US$ 4 bilhões, com venda per capita de US$ 18,53, muito atrás de Portugal, US$ 228; Uruguai, US$ 40 e Argentina, US$ 36, por exemplo? Na Itália, a arrecadação chega a US$ 34 bilhões/ano com venda per capita de US$ 565; França, US$ 16 bilhões, US$ 249 per capita; nos Estados Unidos, só em Nova York, US$ 9 bilhões, US$ 456 per capita.

O número de pontos de venda é baixíssimo. Há cerca de 14 mil lotéricas no Brasil, mais ocupadas em prestar serviços bancários que vender loterias. Menos de três por cidade, um para cada 16 mil brasileiros. Não seria o caso de aumentar os pontos de venda em cooperação com loterias estaduais, envolvimento direto dos beneficiários e oferta online?

O payout, parcela da arrecadação destinada a prêmios, é um dos mais baixos do mundo, 30%. Em Massachusetts, EUA, o payout da loteria instantânea subiu de 50% para 80%. As vendas saltaram de US$ 50 milhões para mais de US$ 3 bilhões/ano. Não seria oportuno rever tributação, custos, comissões e repasses para aumentar o payout e a arrecadação das loterias no Brasil?

Na Caixa, que oferece nove produtos lotéricos, apenas três (Mega-Sena, Lotofácil e Quina) concentram 90% da arrecadação e 80% das apostas. Não seria hora de modernizar o portfolio, incluindo, por exemplo, apostas esportivas, que já movimentam mais de R$ 4 bilhões/ano no país, sem nenhuma regulamentação, ameaçando a integridade do esporte e a economia popular?

Loteria é imposto voluntário e gera benefícios sociais. Por que sofre concorrência desleal de títulos de capitalização que, travestidos de loteria, arrecadam 70% a mais, pagam muito menos prêmios, quase não têm repasses sociais, e são oferecidos ativa e insistentemente em 63 mil pontos (23 mil agências e 40 mil postos bancários)?

Os problemas são conhecidos. O governo, em vez de enfrentá-los, preferiu confirmar a regra que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Só que, desta vez, o tiro saiu pela culatra. Todo segmento esportivo se uniu para evitar este retrocesso. É fundamental que continue mobilizado e participe ativamente da construção do Brasil que sonhamos. Afinal de contas, quem não está na mesa, está no cardápio.

Pedro Trengrouse
Professor da Fundação Getulio Vargas

Lars Grael
Atleta de vela e medalhista olímpico

Artigo publicado no jornal O Globo – 06/07/2018
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