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Segurança Pública no Rio

Segurança Pública no Rio

Além de ser definida como a principal e mais tradicional função do Estado, dificilmente alguém nega que Segurança Pública é a prioridade para o Rio de Janeiro, sem a qual não há garantia das liberdades individuais, inibe-se os investimentos e, consequentemente, o desenvolvimento econômico.

Durante os últimos 8 anos, estive dedicado – junto com Carmem Migueles e Márcio Santos –  a uma pesquisa das equipes de operações policiais especiais no Brasil e nos Estados Unidos. Estudamos a questão e publicamos o livro “A Ponta da Lança” pela Editora Campus/Elsevier em 2014. Tivemos a oportunidade de mergulhar no ambiente da Segurança Pública no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro. Realizamos mais de 300 entrevistas individuais e em grupo com mais de 600 policiais e, além disso, acompanhamos operações e a rotina do trabalho dos policiais.

A opinião pública reage por sombras e a situação real raramente é acessível ao grande público. Segundo o relatório final da CPI da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) que investigou mortes de policiais, apresentado em setembro de 2017, os policiais do Rio correm seis vezes mais risco de morrer do que policiais de São Paulo. Ainda, o Rio alcançou, em 2014, uma taxa de 265 mortes por 100 mil policiais. O mesmo relatório comparou ainda a taxa de mortes de policiais no Estado e a registrada em outros países. Nos Estados Unidos, a taxa é de 7,1 mortes por 100 mil policiais, 37 vezes menor do que a registrada no Rio. Na Alemanha, 1,2 por 100 mil, e em outros países como Inglaterra e País de Gales, a taxa não passa de uma morte por 100 mil agentes. Portanto, não tratamos de números de policiamento ostensivo, nossos números são números de guerra. Estamos numa guerra urbana que causa mais baixas do que qualquer outra guerra contemporânea que temos notícia.

Temos que ter em mente que não há solução fácil. A declaração de alguns políticos sobre um regime de “tolerância zero”, que parece ter funcionado bem em outros países, vai encontrar sérios limites no Brasil. As afirmações do senso comum – que precisamos de mais policiais armados nas ruas e de que a polícia é uma instituição essencialmente corrupta – são opiniões de quem está longe de compreender a realidade. São palavras de espectadores de poltrona distantes dos fatos. Existem muitos problemas em nossas instituições policiais, mas também identificamos excelência operacional e atos heroicos por trás das fardas.

As questões que coloco a seguir certamente mereceriam mais tempo e espaço para serem completamente entendidas, mas para uma reflexão introdutória podemos elencar três pontos críticos que assolam a nossa Segurança:

Primeiro, em nível institucional, as principais mudanças para a punição do crime estão fora do poder executivo, e sim no legislativo. Nossas leis não apoiam um governo que declara “tolerância zero”. São passíveis de interpretações distintas e muito tolerantes com o crime. Protegem os direitos humanos do criminoso, mas pouco protegem o policial (há aqui um vício da herança de combate a ditadura). Portanto, se quisermos mudar a realidade, teremos que começar por uma reforma nas leis.

Segundo, especificamente no Rio de Janeiro, nos pesa muito a omissão das atribuições da União. Os combates ao tráfico internacional de drogas (dado que a produção não é no Brasil) e à importação ilegal das armas pertencem a Polícia Federal. A Polícia Militar (Estadual), em consequência da pouca atuação nas causas, combate as consequências. Isso é pouco eficaz, caro e muito violento.  Para combater as drogas e o criminoso com armas pesadas já infiltrados no meio dos civis, a Polícia Militar Estadual precisa de um arsenal pesado. Não é à toa que a nossa polícia porta fuzis de guerra.

Terceiro, parece que o crime que combatemos no Rio de Janeiro se trata de crime organizado. Para a nossa sorte, nem tanto. O pior problema não é o crime em si, mas a governança e coordenação dos recursos policiais. Há um sério problema de sobreposições e indefinições de funções nas atribuições e esferas de atuação da Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal. Falta uma coordenação integrada dessas instituições para que se possa aumentar a sua eficiência e efetividade. Além disso, há uma desproporção: são cerca de 8.000 policiais militares efetivos na cidade do Rio de janeiro, número semelhante a quantidade total de policiais federais para todo o Brasil e o efetivo total da guarda municipal.    

Aumentar o efetivo de policiais armados nas ruas está diretamente proporcional ao inchaço do Estado e foi exatamente o que aconteceu nos últimos anos no Rio. Na opinião de muitos especialistas, esta solução está muito longe de resolver com eficiência a questão da segurança. Existem soluções melhores para esse problema, mas demandam governança dos recursos de segurança, inteligência e tecnologia.

Além disso, é importante compreender que a Segurança Pública não se resume a questão da ação policial. Envolve os hábitos e costumes da sociedade, a relação entre a sociedade e sua polícia, e a “percepção de segurança”, que geralmente está dissociada da contabilidade dos indicadores de segurança, como homicídios, principal métrica para a definição de áreas seguras. Mudanças efetivas encontram-se na capacidade de articulação política junto as instituições federais, e no trabalho integrado dos governos estadual e municipal.  

Marco Tulio Zanini
Vice-Presidente do CE de Segurança da ACRJ