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A crise do contencioso administrativo fiscal

Roberto Duque Estrada
Roberto Duque Estrada

A crise do contencioso administrativo fiscal

As declarações do governador Witzel de que irá acabar com o conselho de contribuintes do Rio de Janeiro e as notícias de que está sendo estudado pelo Executivo federal o fim do CARF são altamente preocupantes para os contribuintes e só confirmam a gravíssima crise pela qual atravessa o contencioso administrativo fiscal.

É muito comum que diante de um problema de difícil solução se apele para soluções extremas. Se não está dando certo, vamos acabar com isso. Mas não é bem assim que se tratam instituições destinadas a garantir direitos dos contribuintes. Os órgãos administrativos de julgamento podem ter passado por crises e escândalos, mas nada justifica a sua destruição.

Em primeiro lugar porque ela é constitucionalmente impossível. O direito ao duplo grau de cognição na esfera administrativa é uma garantia constitucional insuscetível de restrições. Tanto assim é que o STF já rechaçou veementemente a imposição de um depósito de 30% do valor das exigências como condição de admissibilidade recursal. Ora, se é inconstitucional impedir ou dificultar o acesso cobrando um pedágio, tanto mais inconstitucional será bloquear ou destruir a própria estrada.

Em segundo lugar por uma questão econômica. Os conselhos servem como um filtro que se posiciona entre o ato de lançamento que constitui o crédito tributário e o início da sua cobrança judicial. É nesse percurso entre a autuação e a decisão final irrecorrível na esfera administrativa que o crédito tributário lançado poderá ser objeto de revisão por autoridades de julgamento de primeira e de segunda instância, para confirmá-lo ou anulá-lo no todo ou em parte. A parcela mantida será executada pelo credor; a parcela anulada, por ser reconhecida ilegal, não poderá ser cobrada judicialmente, evitando para o estado arcar com os ônus da sucumbência.

Os números revelam que houve uma grade exacerbação das autuações fiscais. No âmbito federal, só no ano de 2017, por exemplo, o valor total das autuações da RFB superou a marca dos R$ 200 bilhões. Esse excesso de autuações, no entanto, não serviu para um incremento imediato da arrecadação, já que do total lançado naquele ano, apenas 0,47% foram pagos ou parcelados.

Ou seja, autua-se em excesso, mas arrecada-se pouquíssimo do que se autua. E quais as razões para essa tamanha discrepância?

No plano federal, sem dúvida, deve-se ao vertiginoso incremento das autuações questionando a legitimidade de operações ditas de “planejamento fiscal”. A reação do fisco federal contra toda e qualquer operação praticada pelos contribuintes que tenha ou possa também ter propósitos de economia fiscal tem sido lavrar autuações fiscais invocando princípios constitucionais (solidariedade, capacidade contributiva) e teorias jurídicas (abuso de direito, fraude à lei), acusar os contribuintes de simuladores, exigir o pagamento de tributos por analogia, cobrar multas escorchantes (150%) e abrir representações penais. Trata-se de prática afrontosa à segurança jurídica, que só aumenta o risco de investir no Brasil, onde se concentra o maior volume de contingências fiscais das multinacionais.

Essas autuações têm sido invariavelmente mantidas, especialmente pela CSRF. E o mais grave é que são confirmadas através do voto de qualidade, isto é, quando o desempate é dado por um voto duplo da presidência, em regra favorável ao fisco. Isso faz desaguar no Judiciário os processos fiscais mais significativos, de alta complexidade, que teriam sido definidos em favor dos contribuintes se o princípio do in dubio pro contribuinte estivesse sendo observado.

E o contribuinte então começará o calvário do processo judicial. Sairá em busca de garantias para litigar, já que em sede de embargos à execução o juízo tem que ser garantido mediante depósito, fiança ou seguro. São garantias onerosas, com reflexos na capacidade de endividamento das empresas, e, enquanto durar o processo – dez, quinze, vinte anos – terão que ser mantidas.

A crise do contencioso administrativo não se resolve, portanto, acabando com o órgão que irá solucionar as lides, resolve-se reduzindo o número de litígios.

Resolve-se através de ações educativas, como foi a Operação Cartórios deflagrada com sucesso pela 6ª Região Fiscal, que sem lavrar um auto de infração, conseguiu uma arrecadação espontânea de mais de R$ 210 milhões.

Resolve-se com correção na lavratura de autuações fiscais, evitando-se que se prolonguem anos a fio de discussão sobre, por exemplo, a validade da dedução de um ágio ou da aplicação de um tratado internacional, casos em que as leis dizem de uma forma, mas o fisco as interpreta de outra, valendo-se de critérios inovadores. O caráter inovador desses critérios é tão flagrante que todos eles, sem exceção, constaram de medidas provisórias posteriores.

Resolve-se, enfim, proporcionando um julgamento administrativo livre de pressões de arrecadação, com educação, qualidade técnica e respeito ao contribuinte.

Roberto Duque Estrada
Conselheiro do Conselho Empresarial de Governança e Compliance e sócio do Brigagão Duque Estrada Advogados